Confraternização

(Na geladeira)

sexta-feira, agosto 31, 2007

Veneza*

Nunca fui à Veneza. Mas, acabo de receber, de uma querida e dedicada amiga, alguns retratos desse lugar que é, sem dúvida, de uma beleza ímpar. Respondi contando a minha breve impressão: "Os canais de Veneza me lembram labirintos, que com suas casas pequenas e rústicas, dão um certo tom melancólico ao lugar: lindo!" Ao que acrescentei, um pouco tímido: "(Já pensou ser um gondoleiro quando crescer?)".
Sei o porque dessa timidez: obedeci ao meu singelo impulso de dizer o quanto sou capaz de fantasiar, mesmo fazendo questão de cultivar a realidade nem sempre tão bela que se me apresenta. E me aproveito deste momento para desfrutar um pouco mais dessa ternura que insisto em sentir: eu, um perfeito gondoleiro, empunhando meu remo de estimação, vestindo um fino bigode, chapéu, uma blusa listrada de vermeho, sinto de corda, calça e sapato, ou seja, um autêntico gondoleiro veneziano, a guiar pelos charmosos canais, inúmeros casais, verdadeiramente apaixonados, rumo ao paraíso de amor que sonham...
Essa imagem tem para mim alguma simbologia muito íntima, como se nessa minha vida, tivesse eu a vocação de ser aquele discreto terceiro a navegar junto aos que gozam da felicidade.
Ah, Veneza, Veneza! Que humilde e sincera emoção sinto em imaginar-te!

Bruno*

quinta-feira, agosto 30, 2007

Cor Pulsante

POEMA À MÚSICA

Quando a vida paira
num momento
[pré poético,


Escrever se faz a ânsia
do suposto sublime
[por acontecer.


Algoz

quarta-feira, agosto 29, 2007

Plumas ao vento

Quando, tendo caído de nossos sonhos – feito feto expulso do ventre quiçá antes mesmo de o ventre ter percebido a possibilidade de vida rejeitada –, nos deparamos no colo da amizade de pouquíssimas, íssimas, íssimas pessoas que também caíram, cada qual de seu próprio sonho – feito feto ou não –, e nos percebemos acompanhados apenas de nortes... Ainda que falte um norte ou outro, e que essas preciosas pessoas não possam supri-los (os nortes ausentes), é possível darmos-lhes as costas (aos ausentes), e vivermos amputados dos fetos que a nossos ventres foi vetado gestar.


Algoz

terça-feira, agosto 28, 2007

Adeus, amor

Era uma noite fria de sexta-feira. Eu tinha me feito triste, imaginando como lidar com uma situação que eu sabia não iria acontecer, querendo encontrar quem eu sabia não iria passar. E pensando com uma triste ternura naqueles ex-fumantes que, tendo o vício torturantemente controlado já há algum tempo, ainda assim não abandonam aquele “último” cigarro, com quem andam no bolso da camisa ou dentro do estojo de maquiagem, feito derradeira companhia pra um eventual cataclismo: eu brincava, de uma pra outra mão, com o aparelho de telefone, como se não o usasse desde o remoto tempo em que ainda tinha sonhos, e não o fosse usar jamais, então que tinha abortado sonhar os sonhos que no tal remoto tempo me haviam abortado. Mas a idéia de que nem um cataclismo faria meu telefone tocar, e que eu mesmo me recusaria a usá-lo – caso sobrevivesse a tal hipótese –, me fez tranqüilo. Era tarde demais pra cogitar em assuntos impossíveis. Pus-me de pé e desci as escadas, sem olhar pra trás.

***

Chegando ao ponto de ônibus encontrei, antes de piscar os olhos, duas hilárias amigas. Nem me cumprimentaram e já desataram a narrar, cheias de suas peculiares entonações e desenfreadas gargalhadas, os heróicos feitos da noite anterior. A tristeza de minutos antes se dissipava sem que eu percebesse, fazendo meu lado mais cético enxergar, mais tarde, que certas insignificâncias devem, de fato, ser levadas como tais. Subimos e descemos do ônibus, lá chegamos. Fui pegar três cervejas, mas me desencontrei das duas amigas. Foi então que vi aquela bonita moça querida, quase-amiga íntima-quase daquele caríssimo amigo que na tal noite estava ausente. Dei a ela uma de minhas três cervejas e começamos a conversar. Companhia que se deixou estar agradavelmente, me deixando – coisa de duas horas depois – com a calma-deliciosa sensação de apenas estar. Estar num lugar familiar e aconchegante, e lá estar acompanhado de alguém que é apenas troca, apenas leveza. E não ser, ontologicamente. Mas apenas, de fato, estar. Ou ao menos sentir-se vivenciando a possibilidade de tal.

***

Quando tudo parecia caminhar pra que a noite fosse apenas uma grande troca de afeto entre amigos que, apesar de não serem freqüentes, doavam-se com simples honestidade a esse afeto, eis que surge um charme de mulher cuja companhia atraía de mim afetos menos simples e menos honestos, por assim dizer. E algumas horas depois, quando já a noite tomava sua saideira, eu caminhava sozinho pelas ruas, mãos nos bolsos, com o gosto daquele charme em minha saliva, rindo – de mim e pra mim mesmo – pela péssima noite que eu, com um levantar de nádegas de um degrau de escada, havia transformado no sossegado deleite que quem optou por não presenciar... perdeu.


Algoz

quinta-feira, agosto 23, 2007

Questionamento tranquilo (a dois?)

POEMA A (UM)A IRMÃ(O)

Enquanto não vou ao mar,
[E como não vem amor,
porque não há clamor]

quanto não hei de tomar?

De meu próprio tempo
de meu próprio vinho
de meu próprio tédio

pra conseguir me equilibrar?

Entre onde estamos
[entre os seres vivos em forma de árvore
[entre o asfalto e os pesados sentimentos
e esse resto, e todo o resto.


Algoz

quarta-feira, agosto 22, 2007

Do silêncio e suas (des)implicações

Quanto ao tema do silêncio, eis que é de fato necessário conversar com nossos pares. E que distração da indiferença cósmica não é filosofar – despretensiosamente – com aquelas poucas pessoas por quem prezamos e que, apesar da mesma indiferença cósmica, prezam também por nós. Não deve haver pior descarinho do que viver na miséria de não ter alguém com quem exercitar o cérebro nas doce-amargas considerações acerca das matérias intangíveis que determinam, às ocultas e em silêncio, a mesquinhez das práticas quotidianas da vida.
E isso diz tanto, e tão pouco, que dá vontade de parar. E de continuar.
Mas, como teria dito um anônimo sábio reconhecido e respeitado, de nada alteraria o eixo da Terra. Sentir assim, pensar assado, dizer um assim-assado que não é assim nem assado... nenhuma dessas atividades altera o curso das matérias intangíveis. É uma postulação-limite, nós sabemos, mas serve de farol pra algumas embarcações neurônicas.
A quem não acorda senão pra beleza – e pro considerar da beleza – das coisas em si – se é que há tal coisa –, sem querê-las enclausurar de qualquer forma ou por qualquer meio, resta assistir às poucas alterações infligidas ao eixo da Terra pelos homens. Resta vislumbrar os grandiosos feitos alcançados pela paixão do poder e pelo fervor da verdade absoluta. Resta reprovar, tácita, consciente e inertemente, todos os costumes provedores e/ou provenientes do que se considere o caminho certo. Resta continuar acordando pelo simples considerar das matérias intangíveis – sem almejar tocá-las –, enquanto a areia se vai fazendo castelo.
Resta isso... e rir de tudo – do que resta inclusive –, até o fim.


Algoz

Modestíssima Ontologia*

Razão e paixão são superstições do homem. Já nos primeiros registros da subjetividade propriamente humana, encontramos representações de duas possibilidades básicas de sua atuação prática ou simbólica: uma mais próxima de um desempenho máximo de suas possibilidades e outra mais próxima de um baixo desempenho.
Assim, temos o príncipio Lógus x Páthos, uma oposição elementar entre um pólo racional e outro passional, que atinge as diferentes etapas do processo cultural e civilizatório: das cosmogonias ancestrais - e aqui vale a pena lembrar que as mitologias são traduções simbólicas da experiência cultural do homem; uma organização ética e social que orienta a conduta e que é também responsável pela formação do indivíduo, ou seja, um meio necessário ao processo histórico -, passando pelo monoteísmo cristão, até chegar ao racionalismo iluminista (onde a inspiração de muitos pintou essa relação nas a idéias de "esclarecimento", luz, conhecimento, em oposição à escuridão, ignorância, loucura: outra bela maneira de representar essa superstição, pena não ter previsto o Nazismo, ou o uso do conhecimento que alcançaram sobre o átomo...), dos quais, herdamos, decisivamente, nossa forma de pensar.
Bom, o que quero dizer com isso é que razão e paixão são criações do homem, algo além do que a princípio constitui um grande e único movimento - afinal, quem não admite a existência de uma loucura da razão ou uma razão (lógica) na loucura? - dentro de todos nós e que tal divisão não é natural (segundo Nietzsche, essa divisão e valorização que se dá ao Lógus, se desenvolve com a pólis grega, principalmente com um tal de Sócrates), o que dá origem a uma série de conflitos e angústias. Ou seja: se, pelo menos em hipótese, fossemos capazes de recriar, em alguma instância, esse estado harmônico entre Lógus e Páthos, estaríamos reduzindo o conflito entre essas duas forças inerentes a nós.
Quem tem coragem?

Bruno*

terça-feira, agosto 21, 2007

Um pedaço a menos de mim

Dessa vez eu estava numa movimentada esquina da cidade grande.
Um homem, no canteiro central, olhava cabisbaixo pro chão. Tinha conseguido atravessar apenas a primeira larga da parte de pedaço daquela avenida que muda de nome pelo menos três vezes e hospeda trilhões de mundos por metro quadrado e segundo cúbico.
O semáforo alongava a angústia dos pedestres por dois minutos e meio, que é tempo suficiente pra que o carro que saiu da pole position percorra pelo menos dois quilômetros e meio – em CNTP, digo, em condições ideais de tráfego –, ou pra que uma pessoa que vem lá da outra esquina chegue nessa e, dependendo da velocidade dos calcanhares, dobre-a e suma no horizonte da metade do quarteirão, deixando talvez um gostinho no olhar como de se ter visto alguém quiçá conhecido mas que, dada a quantidade de carros passando e o número de voltas que os ponteiros dão no relógio, nunca se vai saber sequer quem era.
Eu estava na esquina.
Aquele homem criava em mim um sentimento de quase desespero. Eu era uma instância do super-ego de um homem que, não o tendo – o super-ego – ou não estando de posse dele no momento, transpirava sua melancolia e sua angústia – a já maldita angústia do semáforo que, feito pelo homem, prefere dar tempo aos automóveis que, feitos pelo homem, preferem a si mesmos –, transpirava sua melancolia e sua angústia de longe. Do longe do canteiro central da avenida. De repente me percebi torcendo pela luz vermelha – e aproveitei pra fazer disso um silencioso trocadilho quase triste-sorridente –, ainda sabendo que minha torcida valia tanto pra alterar o curso das luzes do semáforo quanto pra que meu time ganhasse um jogo qualquer contra qualqur adversário.
Eu ainda estava na esquina.
Uma moça, que descia a avenida pela mesma calçada em que eu angustiava pelo semáforo, chamou a atenção de meus sôfregos olhos. Mas não durou mais de três segundos meu olhar em sua direção, e já meu cristão-ego obrigava meu pescoço a direcionar meus olhos novamente ao homem que, de melancólico e angustiado, estava então angustiado e gesticulando... gritando? Sim, o homem gritava alguma palavra repetidamente, gesticulando risivelmente e angustiando-se mais a cada frustrada tentativa. Sua tentativa, logo percebi – por ser um obsevador privilegiado das duas cenas –, era exatamente a de tentar chamar a atenção da moça que a minha atenção havia chamado segundos antes.
Eu gelei na esquina.
A moça, que quase esbarrou o ombro em mim no momento exato em que eu percebi que aquelas personagens faziam parte da mesma cena – ou que, antes, deveriam (?) fazer – seguia seu caminho impávida. O homem se exasperava em quase convulsões. Eu quase me exasperava em inércia – pois não se aborda uma mulher sem porquê, e menos ainda num momento de abrupta constatação de coisa qualquer. Dobrou a esquina rumo a perder-se no horizonte da metade do quarteirão. Quando o pior aconteceu. Já o homem quase vencia a última pista quando, concentrado numas ancas que se focavam em seu retrovisor, o motorista do derradeiro carro inadvertidamente contraiu os dedos dos pés e, com um malicioso sorriso nos olhos, atropelou sem ver o homem angustiado.
Eu chorei na esquina.
O homem angustiado estava tão morto quanto Elvis. E a mulher, que cumpria um terço do quarteirão, ouvindo e vendo a comoção geral, voltou correndo. Era enfermeira. Conseguiu aos berros afastar os indevidos curiosos que cercavam de olhos o morto angustiado. Vi com esses meus olhos, que o asfalto há de comer, o momento em que a enfermeira viu que o angustiado morto era seu conhecido. Apagou no instante seguinte, e acordou já em casa.
O homem angustiado morreu atropelado por ser apaixonado por uma mulher que nem ouvia seus apelos. Depois a mulher criou na própria cabeça a voz do morto chamando seu nome. E criou a imagem de si mesma ignorando sistematicamente a tal voz. E o angustiado, que ela nem queria nem desqueria, virou um fantasma.
Atravessei a rua, na esquina tomada pelo caos, e segui marejado meu caminho.


Algoz

segunda-feira, agosto 20, 2007

Sinais*

A natureza não tem linguagem de homem, então, o que nos dá, são sinais. Sinais despreocupados de significar coisas; quando muito, convida a natureza a ela mesma para servir a vida como num farto banquete.
Acontece que por mais boa intenção que tenhamos, somos muito inábeis para ver isso. Eventos simples como a existência de estações climáticas nos passam desapercebidos, e isso pode causar-nos certos desentendimentos com a natureza: se acaso eu não vivesse tão preocupado com desimportâncias intelectuais, veria que as flores caem no outono e reaparecem com a primavera. Assim não teria eu me entristecido quando não vi mais a flor que me emprestava o prazer da sua delicada forma, seu perfume e a exuberância de sua cor...
Aproveitemos enquanto é inverno e atentemos para os sinais da natureza: a primavera traz as flores. E as flores são tão bonitas... Bom seria cultivá-las todas em meu jardim!

Bruno*

quinta-feira, agosto 16, 2007

Sem timentos

POEMA A UM SER VIVO EM FORMA DE ÁRVORE

Uma árvore da altura do quinto andar
Parada, desfolhada, indiferente.

Um cara caminha caminhando
Passa pela árvore e apenas
[ao passar por ela pensa
que por alguns segundos
[em nada, absolutamente,
pensou.
Teria tido um momento
[de iluminação?
Seria a iluminação um momento
[que passa exatamente
despercebido?

Não ter alegria nem tristeza
[frente a algo/alguém qualquer
E caminhar ao sol sem senti-lo
E o vento não perceber
E não se inquietar com a buzina
[que está longe demais
[pra se fazer escutar
E não reparar nas roupas
[de tantas pessoas diferentes
[que indiferentes passam
E cumprimentar, sem pensar
[ou dizer ou sequer um músculo
[mover
a árvore silente.

E ter a sossegada sensação
de os próprios sentimentos terem
[ainda que por um breve instante
passado
E depois sorrir – sem sorrir, porém
[de esse sossego ter sido como
[o de ter passado os sentimentos
pra outra pessoa qualquer,
ainda que ninguém haja.

Como quem acabou de se lavar e,
tendo a estrada do mundo
[pela frente,
senta-se no chão do próprio cômodo
[desacompanhado
E abre uma garrafa de vinho.


Algoz

Poema Sentido*

Terá alguém lembrado um dia,
Olhando a lua: "Aquele menino..."?
Viver já teria valido a pena.

Bruno*

quarta-feira, agosto 15, 2007

Gafanhotos e laranjas podres

Se a idéia de gafanhotos passando e destruindo – aos nossos olhos, apenas – uma inteira plantação nos faz dor e indignação – talvez desespero também; e se a idéia de uma laranja podre espalhando seu câncer e destruindo – aos nossos olhos, apenas – um saco cheio nos faz dor e chateação – também desespero, talvez; que odiosos e mesquinhos sentimentos não hão de causar certas situações das relações humanas? Suponhamos a hipótese de uma pessoa que, carente de algo qualquer que nem ela própria sabe o que seja, encontra em seu caminho pessoas que a acolham, e que a cada dia a dêem mais e mais carinho e companhia – e talvez alguma dessas pessoas chegue mesmo a dar amor físico, além de todos os outros carinhos e cuidados e de toda a atenção. Suponhamos, então, que enquanto esse tempo de bonança dure – tempo esse que se faz, mormente, dos momentos em que essas pessoas passam juntas –, a vida dessa recém e bem-vinda pessoa se vá re-fazendo (e aqui caberia o questionamento ontológico de quanta influência terá tido esse tempo de bonança no auxílio desse re-fazer – mas não deixaria de ser mais uma grande bobagem, como todos os pormenores e pormaiores do raciocínio todo). E que essa vida se vá re-fazendo às ocultas dessas pessoas com quem se passa os tais proveitosos momentos. Lembremos, então, que na hipótese há um certo alguém que chega à (in)felicidade de, além de todos os outros carinhos e cuidados e de toda a atenção, dispensa à pessoa de nossa consideração também seu amor físico. Então eis que, enquanto a tal vida se re-faz, a pessoa (in)feliz se vai, cada vez mais, dispensando seu melhor à superfície de algo em cujas profundezas acontece um desconhecido que controla tudo, e que é friamente indiferente a esse ser que dele deixa de participar não por falta de vontade...
Não há volta a lugar algum pra quem se entrega além da amizade.
Ah!, que espetáculo é o ser humano! Forte o suficiente pra descartar uma pessoa qualquer quando pode, mas fraco (?) o bastante pra usar de uma boa companhia – o que em si mesmo é justo – quando precisa, nos momentos em que sua própria vida não dá conta de bastar-se a si mesma.
Bola pra frente. Se existir é sofrer... existamos!
Imaginemos que Braga diria que, vistas assim as coisas, os gafanhotos e as laranjas podres fazem até coisas simpáticas.
Momento de serenidade (lembrando a sapiente ranzinzice de uma boa companhia): que amem!
Mas que amem lentamente.


Algoz

Pernilongo*

É com alguma graça que me admito carente e implicante. Tenho o direito humanitário de me contradizer ao precisar de outra pessoa mesmo desejando não precisar. E faço isso sendo o mais implicante possível: reclamo de tudo; vejo coisas erradas nas coisas mais simples; acho feio o que acham bonito; rio com sarcasmo do sofrimento alheio; resmungo minhas dores nos ouvidos ocupados; dou xiliques histéricos quando não concordo; esperneio se não tenho; suspiro caras de tédio...
Em suma, sou inconveniente ao extremo, assim como um pernilongo, carente por qualquer resquício de um sangue cálido que não lhe pertence, azucrinando com sua terrível e incansável lamúria o sono que é tranqüilo.


Bruno*

terça-feira, agosto 14, 2007

Encontros

Todos os dias fazendo as mesmas coisas: levantando à mesma hora, repetindo o mesmo escovar de dentes, acordando ao mesmo esfregar do sabonete, dançando o mesmo movimento do rodo, brincando o mesmo secar da toalha, comendo o mesmo ralo café da manhã, virando o mesmo molho de chaves, respirando fundo ao mesmo sujo muro do outro lado da rua, sorrindo a mesma obrigação social à vizinha que todos os dias desperdiça a água da galáxia pra empurrar o charme das folhas caídas pro bueiro, se inquietando ao se aproximar da esquina de onde o velho tarado a dá bom dia com olhos de hiena, ajustando os passos aos ponteiros do relógio pra não perder o ônibus, sorrindo um misto de intenção e recato ao cobrador atencioso e cheiroso, sentando suas charmosas ancas o mais perto possível da catraca, tentando a cada dia ignorar as hienices do porteiro do prédio que fica de frente com o ponto de onde desce do coletivo, imaginando tudo que pode acontecer pelos trezentos e sessenta e cinco dias vindouros durante os doze quarteirões de caminhada até o escritório onde trabalha, mecanizando-se cada vez mais no percurso feito sempre pelas mesmas calçadas e faixas de pedestres, parando sempre na mesma padaria e comendo sempre o mesmo saído do forno pão na chapa, ingerindo sua dose de extra-ânimo necessária à labuta do mesmo recém passado café, revezando os sempre mesmos ascensoristas de acordo com o elevador que primeiro ao andar térreo chega, cumprimentando em silêncio as sempre diferentes pessoas da desordem do dia atropelante da selva de pedra, gastando seu cérebro enquanto suas mãos desperdiçam os cabelos cacheados do amor que nem mais existe, fazendo a pausa quotidiana da ingestão de alimentos como quem tenta parar o Cosmos ao mesmo tempo em que precisa de todos os relógios do mundo, voltando aos carinhos guilhotinados suspensos pela voz indiferente de alguém que apenas pede mais concentração enquanto cobre todos de ordens a serem cumpridas ontem, suspirando o mesmo alívio pelo corpo esgotado enfim liberto à espera do elevador de cada dia, olhando sonhadora o céu a uma vez mais e sempre despedir o dia enquanto a noite sorrateiramente se aproxima pelo outro lado trazendo já sua própria mesa com todos os penduricalhos pomposos e imagens tristes que o escritório das sombras [quase] sempre tem, voltando pra casa com mais ou menos os mesmos percalços e leves momentos de descontração de todas as manhãs e de todas as noites, tirando os sapatos e o sutiã e os talheres da gaveta e os restos de qualquer coisa da geladeira, soltando seu corpo já seminu no sofá, ligando o aparelho de som com o controle remoto, acordando com o próprio cochilo algum tempo depois, indo cambaleante pro quarto, escovando os dentes no rápido banho tomado apenas pra não dormir de todo suja, deitando finalmente na larga cama o corpo enfim-finalmente liberto, e ficando afinal a sos com sua mente uma vez mais inquieta pelas (dis)funções dos movimentos de rotação e translação do planeta; enquanto um cara qualquer toma sua latinha do dia numa mesa de calçada de uma padaria de esquina onde trilhões de mundos acontecem.
Mas eles hão de não se encontrar.


Algoz

Paisagem Inquieta*

A pessoa que está só na paisagem, inventa uma filosofia. Sente-se inquieto com a vida que corre em suas veias e tenta entendê-la. Distrai-se com seu entendimento.
A pessoa que está acompanhada na paisagem, inventa uma arte. Por ter para quem mostrar o que sente, preocupa-se em como mostrá-lo. Distrai-se de seu sentimento.
Mas, no horizonte, a paisagem continua inquieta...

Bruno*

sábado, agosto 11, 2007

Variação da Solidão - Parte X *

Não é interessante tudo isso? Não é interessante viver as escolhas que se faz? Mas, quando foi que optei pela solidão? Sempre, em cada mínimo detalhe: nas saídas de canto, no silêncio dos pensamentos não ditos. Ser desta forma pode não ser optar pela solidão - que é a falta da presença de outro corpo, ou outra idéia de corpo, desde que seja sempre uma presença -, mas é, por conta de como tudo funciona hoje em dia, uma implicação necessária.
Embora eu torne tudo mais complexo do que poderia, de fato, ser, não acredito que essa falta de companhia afetiva seja uma decorrência de todas essas práticas de contestação das formas de se relacionar: não ser da côrte, não parecer ser, não atacar, não incomodar, não inventar sentimentos, para mim ou qualquer outro ser, não transformar o outro à minha imagem e semelhança etc. Confio no meu carinho. Das idéias que tenho de mim, a de carinho é a que mais me agrada. Pode ser que eu morra sozinho agarrado a esse carinho (e tédio; descrença) que sinto por tudo, mas isso ainda perece ser menos pior do que passar a acreditar e agir de acordo com coisas que não existem: sucesso, amor, moral, caráter... O ideal seria que houvesse uma correspondência. Uma correspondência natural entre as coisas ou modos de ser. Que um carinho encontrasse outro carinho, simplesmente.
O importante é não acreditar.


Bruno*

quinta-feira, agosto 09, 2007

Há – sempre – pouco

Nem oito da manhã
ainda eram

Um cidadão – talvez de bem
[buzinou
Com tanta, tanta veemência,
que parecia a trombeta final.

Então pensei que aos que assim são
[ou que chega(ra)m a esse ponto,
Deveria alguma divindade dar
[De fato
Uma trombeta.

Mas antes, muito antes
[do final.

E que esse cidadão viesse ter
[comigo.


Algoz

Versos*

O poeta não quer cantar
Não quer dar forma
E beleza à sua dor

O poeta não quer sentir
Não quer ter orgulho
Em adornar a solidão

O poeta quer a pele
Não quer a pena
Do carinho sem corpo


Bruno*

quarta-feira, agosto 08, 2007

Não era pra sair assim

Ah! Essa dor dilacerante que é a de sentir que o outro não sente a dor da dor que sentimos relacionada a esse exato outro. Dor transformada em ódio. Ódio ao outro que se converte em ódio a si mesmo, pois que o outro não tem culpa das dores que sentimos – as nossas e as supra-nossas –, nem do ódio que nos acomete – ainda que não queiramos senti-lo. Não tem culpa senão a de existir – mas isso apenas em nossas abandonadas mentes passivas. Não tem culpa senão a de nos ter – quiçá – alimentado os sonhos que nós mesmos criamos para, depois, como num estalar de dedos – que por vezes dura infinitos tempos – nos afastar como se nada tivesse acontecido... como quem descarta um jogo bom apenas porque pode, e volta pra casa pro próprio copo, indiferente aos valores deixados na mesa do boteco sujo, e segue a vida sem considerar no que aquela mão poderia ter trazido de belamente simples e irreverentemente longo. Mas por que ter a esse outro por um covarde, se somos, nós mesmos, uns merdinhas incapazes de receber do outro senão indiferença, e quiçá alguma piedade?


Algoz

terça-feira, agosto 07, 2007

A linha do horizonte me distrai

Eu, sentado ao pé de uma árvore onde a areia dava licença ao mato, olhava as crianças, que brincavam à minha esquerda, na diagonal, com apenas os pés molhados. O tempo estava fechado-claro. Ventava das ondas um friozinho que, se pra uns vinha como navalha no que se chama alma, eu sentia a possibilidade de se sentir naquela brisa o ar de bem-aventurança de quem se propôs, com carinho e serenidade, a algo qualquer nessa vida, e alcançou. Eu sentia. O churrasco esquentava um pouco o ânimo dos que sentiam na brisa um golpe. Na estrada ainda conhecidos estavam, correndo – ainda que não tão rápido – o intermitente risco. As crianças brincavam. Numa outra cidade qualquer – em outro país, quiçá – certo alguém vivia a própria vida – se feliz ou triste, não sei. Saiu mais picanha, alguns sorrisos se avermelharam pra comer antes dos outros. Dorival ecoava dentro de minha cabeça aqueles versos belo-tristes, enquanto eu via nas crianças – emolduradas pelas ondas pequeno-bravas e pela montanha que fecha o horizonte da vista – a melodia que, eterna, acolchoa sua voz. Chegou uma amiga que resgatei, com um telefonema, depois de uns três anos. Não contei absolutamente nada além do superficial, apenas a convidei pro churrasco. As crianças brincavam, e meus olhos marejavam. Ouvi o grito e vi a corrida – ela vinha linda e sorridentíssima. Me deu um abraço como eu não recebia havia tempos – eu nem me lembrava quanto. Tudo ficava muito próximo da satisfação suprema. Essa era, apesar da distância temporal e geográfica, minha melhor amiga. Um porto seguro. Viu minhas lágrimas escorrendo por meu sorriso, limpou-as sorrindo com os dedões e, enquanto minhas sensações todas se misturavam incomunicavelmente, ela fez a pergunta atroz:
– Quais são os seus?
– Os meus? – perguntei com o sorriso bobo de quem chora sem se descabelar. – Os meus foi outro que fez.
E passamos a tarde olhando as crianças, num quase-silêncio tão triste-belo que talvez se pudesse sentir do longe de outra cidade – de outro país, quiçá.


Algoz

segunda-feira, agosto 06, 2007

Reserva

Existe, ao menos, um meio para todo o fim, desde que tomado verdadeiramente.
Para se transpor duas nádegas, o cú é o meio.
E existe um meio para facilitar as coisas.
Mas meu pensamento deixou de ser titular, está na reserva.

rodrigo lima silva

quinta-feira, agosto 02, 2007

Chegará o tempo?

Escrevo como quem não tem
[qualquer coisa pra escrever.
(Seria por de fato não ter?)

Mas meus sentidos absorvem tanto!
Que ai se eu fosse deitar
palavrinhas quaisquer
[sobre qualquer coisa.
Sobre qualquer desses mundos
[que habitam aqui dentro
e que a ninguém é tangível
[sequer cogitar.

Eu escreveria um poema tão lindo...
Tão leve-tristemente belo,
que seria – feita de palavras –
[uma ode ao silêncio.


Algoz

quarta-feira, agosto 01, 2007

Milionésimo de "explicação" a duas amigas

Do tempo em que mais nos calamos, como forma de nos distanciarmos – ou de aceitarmos o distanciamento – daqueles com quem gostaríamos de estar, o dia mais ameno parece ser aquele em que nos deparamos – por força ou por necessidade – com o encontro. Pois ainda que saiam palavras quaisquer – sobre qualquer assunto e de qualquer nível de desimportância –, se forem real-realmente (e não vamos entrar na discussão semântica do que seja o real), se forem real-realmente poucas – e aqui consideramos qualitativamente, no sentido de não chegarem ao limite em que floresce qualquer tipo de mal-estar –, retomo: ainda que saiam palavras, se forem serenamente poucas, não hão de impedir que flua, com uma clareza quase transparente, o carinho – se ele houver – forçosamente posto de lado pelo distanciamento. Então, se há carinho e silêncio, não pode haver – salvo pelos percalços inerentes à vida (em sociedade?) – senão a leve, densíssima porém, sensação de bem-estar que é deliciosamente única do simples estar perto desse específico e especial outro por quem se cala em carinho, e por quem se tem carinho em silêncio.


Algoz