Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, agosto 28, 2007

Adeus, amor

Era uma noite fria de sexta-feira. Eu tinha me feito triste, imaginando como lidar com uma situação que eu sabia não iria acontecer, querendo encontrar quem eu sabia não iria passar. E pensando com uma triste ternura naqueles ex-fumantes que, tendo o vício torturantemente controlado já há algum tempo, ainda assim não abandonam aquele “último” cigarro, com quem andam no bolso da camisa ou dentro do estojo de maquiagem, feito derradeira companhia pra um eventual cataclismo: eu brincava, de uma pra outra mão, com o aparelho de telefone, como se não o usasse desde o remoto tempo em que ainda tinha sonhos, e não o fosse usar jamais, então que tinha abortado sonhar os sonhos que no tal remoto tempo me haviam abortado. Mas a idéia de que nem um cataclismo faria meu telefone tocar, e que eu mesmo me recusaria a usá-lo – caso sobrevivesse a tal hipótese –, me fez tranqüilo. Era tarde demais pra cogitar em assuntos impossíveis. Pus-me de pé e desci as escadas, sem olhar pra trás.

***

Chegando ao ponto de ônibus encontrei, antes de piscar os olhos, duas hilárias amigas. Nem me cumprimentaram e já desataram a narrar, cheias de suas peculiares entonações e desenfreadas gargalhadas, os heróicos feitos da noite anterior. A tristeza de minutos antes se dissipava sem que eu percebesse, fazendo meu lado mais cético enxergar, mais tarde, que certas insignificâncias devem, de fato, ser levadas como tais. Subimos e descemos do ônibus, lá chegamos. Fui pegar três cervejas, mas me desencontrei das duas amigas. Foi então que vi aquela bonita moça querida, quase-amiga íntima-quase daquele caríssimo amigo que na tal noite estava ausente. Dei a ela uma de minhas três cervejas e começamos a conversar. Companhia que se deixou estar agradavelmente, me deixando – coisa de duas horas depois – com a calma-deliciosa sensação de apenas estar. Estar num lugar familiar e aconchegante, e lá estar acompanhado de alguém que é apenas troca, apenas leveza. E não ser, ontologicamente. Mas apenas, de fato, estar. Ou ao menos sentir-se vivenciando a possibilidade de tal.

***

Quando tudo parecia caminhar pra que a noite fosse apenas uma grande troca de afeto entre amigos que, apesar de não serem freqüentes, doavam-se com simples honestidade a esse afeto, eis que surge um charme de mulher cuja companhia atraía de mim afetos menos simples e menos honestos, por assim dizer. E algumas horas depois, quando já a noite tomava sua saideira, eu caminhava sozinho pelas ruas, mãos nos bolsos, com o gosto daquele charme em minha saliva, rindo – de mim e pra mim mesmo – pela péssima noite que eu, com um levantar de nádegas de um degrau de escada, havia transformado no sossegado deleite que quem optou por não presenciar... perdeu.


Algoz

3 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Vez ou outra, ele é bom... Poderia ser mais.
(Excelente narrativa do acontecido.)

Soluçemos.

agosto 29, 2007 4:41 PM  
Anonymous Anônimo disse...

levantar a bunda é sempre o começo de tudo. uai, agora me pego pensando nisso... veio, assim, à minha cabeça. escrevi, ia assinar e fechar a janela, mas continuei aqui. é isso: levantar a bunda é sempre o começo de tudo.

agosto 29, 2007 9:01 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Incrivel..virei fã

setembro 24, 2007 5:39 PM  

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