Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, agosto 07, 2007

A linha do horizonte me distrai

Eu, sentado ao pé de uma árvore onde a areia dava licença ao mato, olhava as crianças, que brincavam à minha esquerda, na diagonal, com apenas os pés molhados. O tempo estava fechado-claro. Ventava das ondas um friozinho que, se pra uns vinha como navalha no que se chama alma, eu sentia a possibilidade de se sentir naquela brisa o ar de bem-aventurança de quem se propôs, com carinho e serenidade, a algo qualquer nessa vida, e alcançou. Eu sentia. O churrasco esquentava um pouco o ânimo dos que sentiam na brisa um golpe. Na estrada ainda conhecidos estavam, correndo – ainda que não tão rápido – o intermitente risco. As crianças brincavam. Numa outra cidade qualquer – em outro país, quiçá – certo alguém vivia a própria vida – se feliz ou triste, não sei. Saiu mais picanha, alguns sorrisos se avermelharam pra comer antes dos outros. Dorival ecoava dentro de minha cabeça aqueles versos belo-tristes, enquanto eu via nas crianças – emolduradas pelas ondas pequeno-bravas e pela montanha que fecha o horizonte da vista – a melodia que, eterna, acolchoa sua voz. Chegou uma amiga que resgatei, com um telefonema, depois de uns três anos. Não contei absolutamente nada além do superficial, apenas a convidei pro churrasco. As crianças brincavam, e meus olhos marejavam. Ouvi o grito e vi a corrida – ela vinha linda e sorridentíssima. Me deu um abraço como eu não recebia havia tempos – eu nem me lembrava quanto. Tudo ficava muito próximo da satisfação suprema. Essa era, apesar da distância temporal e geográfica, minha melhor amiga. Um porto seguro. Viu minhas lágrimas escorrendo por meu sorriso, limpou-as sorrindo com os dedões e, enquanto minhas sensações todas se misturavam incomunicavelmente, ela fez a pergunta atroz:
– Quais são os seus?
– Os meus? – perguntei com o sorriso bobo de quem chora sem se descabelar. – Os meus foi outro que fez.
E passamos a tarde olhando as crianças, num quase-silêncio tão triste-belo que talvez se pudesse sentir do longe de outra cidade – de outro país, quiçá.


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Aí eu já vou tá achando esse excesso de boniteza mancada com a minha pessoa. Dorival, areia que dava licença ao mato, fechado-claro, belo-tristes... É de arrebentar a retina (da emoção).

...

agosto 09, 2007 3:59 PM  

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