Confraternização

(Na geladeira)

quarta-feira, agosto 15, 2007

Gafanhotos e laranjas podres

Se a idéia de gafanhotos passando e destruindo – aos nossos olhos, apenas – uma inteira plantação nos faz dor e indignação – talvez desespero também; e se a idéia de uma laranja podre espalhando seu câncer e destruindo – aos nossos olhos, apenas – um saco cheio nos faz dor e chateação – também desespero, talvez; que odiosos e mesquinhos sentimentos não hão de causar certas situações das relações humanas? Suponhamos a hipótese de uma pessoa que, carente de algo qualquer que nem ela própria sabe o que seja, encontra em seu caminho pessoas que a acolham, e que a cada dia a dêem mais e mais carinho e companhia – e talvez alguma dessas pessoas chegue mesmo a dar amor físico, além de todos os outros carinhos e cuidados e de toda a atenção. Suponhamos, então, que enquanto esse tempo de bonança dure – tempo esse que se faz, mormente, dos momentos em que essas pessoas passam juntas –, a vida dessa recém e bem-vinda pessoa se vá re-fazendo (e aqui caberia o questionamento ontológico de quanta influência terá tido esse tempo de bonança no auxílio desse re-fazer – mas não deixaria de ser mais uma grande bobagem, como todos os pormenores e pormaiores do raciocínio todo). E que essa vida se vá re-fazendo às ocultas dessas pessoas com quem se passa os tais proveitosos momentos. Lembremos, então, que na hipótese há um certo alguém que chega à (in)felicidade de, além de todos os outros carinhos e cuidados e de toda a atenção, dispensa à pessoa de nossa consideração também seu amor físico. Então eis que, enquanto a tal vida se re-faz, a pessoa (in)feliz se vai, cada vez mais, dispensando seu melhor à superfície de algo em cujas profundezas acontece um desconhecido que controla tudo, e que é friamente indiferente a esse ser que dele deixa de participar não por falta de vontade...
Não há volta a lugar algum pra quem se entrega além da amizade.
Ah!, que espetáculo é o ser humano! Forte o suficiente pra descartar uma pessoa qualquer quando pode, mas fraco (?) o bastante pra usar de uma boa companhia – o que em si mesmo é justo – quando precisa, nos momentos em que sua própria vida não dá conta de bastar-se a si mesma.
Bola pra frente. Se existir é sofrer... existamos!
Imaginemos que Braga diria que, vistas assim as coisas, os gafanhotos e as laranjas podres fazem até coisas simpáticas.
Momento de serenidade (lembrando a sapiente ranzinzice de uma boa companhia): que amem!
Mas que amem lentamente.


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Lentamente...


(Boa. Gostei da linguagem filosófico-especulativa, um pouco mais difícil, mas também, muito mais clara no que mostra.)



Lentamente...

agosto 17, 2007 2:52 PM  

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