Confraternização

(Na geladeira)

quinta-feira, abril 26, 2007

Cavaleiro soturno

POEMA A UM SUICIDA EM POTENCIAL

Quando nenhum vazio
[preenche
E nem tudo que há
[alenta,

Penso num suicida,
[com carinho.

Não que todos os suicidas
se hão de ter ido
[por isso.
Mas um que seja
[me faz pensar.

E podem muito bem
[ter sido
exatamente aqueles
que não deixaram nota,
bilhete, sinal
E as pessoas, em geral,
Os têm por uns filhos
[da puta.

Mas há um silêncio
que cresce na gente,
E de repente sentimos
compartilhá-lo.
Não é um silêncio verbal,
mas como que um silêncio
[da alma,
[Se alma houvesse.

E quando nos sentimos
[demasiado sós com isso,
Queremos calar:
Não conseguimos;
Queremos falar:
Não há palavras.

E sem ter com quem...
Sente-se ninguém...

É difícil compreender
essas palavras.
[Eu sei.


Algoz

quarta-feira, abril 25, 2007

O cavalo de Tróia na torre de Babel

– Eterno Amor / de incansável beleza. / Oxigênio do fogo / [intermitente e brando / da comunhão minha / [com o infinito.
– Tá bonito, tá bonito.
– Quer continuar?
– Será?
– Vai, manda ver...
– Volta agora / [quase tarde / na vida / Meu senso de beleza / a me acometer / Com vontades, disparates, / dúvidas das mais cruéis.
– Dolorido, dolorido.
– Vai você?
– Pode ser...
– Então vai.
– Feito Carlos / a quem fosse / dada nova ocasião / De desvendar a máquina / [do mundo, / Meus braços, que com azedume / [trago, / lassos, da Recusa Original, / Sinto agora um querer abri-los, / em displicente consciência / dos eventuais / [forçosos males / [da inesquivável máquina.
– Ai!, como eu padeço.
– Quer mais?
– Não, agora é minha vez.
– Tô ouvindo...
– Penso em campos de tulipas, / frutas frescas, mel / [sabores! / Se ao pôr os olhos na lua / me lembro de pensar / [sonhador, / numa janela, / vêm-me à mente tantas coisas / que não há como explicar
– É...
– Eu sei, podia ter ficado melhor.
– Posso?
– Por favor.
– Abro, então, os braços / como bradasse / [a voz do infinito. / Mas ao som de meus joelhos / indicando minha prostração / ecoa a voz da Crueldade, / bramindo: Não! Não! Não!
– ...acho que não dou conta disso.
– Então vai logo, é sua vez.
– Silêncios, beijos, carinhos / Carícias, cartas, surpresas / Viagens, bombons, bem-casados / Côco, sombra, sossego
– Ai, que delícia!
– Gostou, né?
– É... gostaria...
– Quer continuar?
– Tá pronto?
– Você vai me magoar, né?
– E tem outro jeito?
– Vai logo, então.
– Ajoelhado continuei / [eu que previa o golpe. / Mas meu coração / [confesso, / que no anterior momento / feliz e bobo palpitava, / entrou então em dolorida / [taquicardia.
– Coitado!
– Vai, continua logo... antes... que... eu... chore...
– Mas então, já em nada / [penso / Minhas tulipas todas ceifadas. / E minhas frutas, eternamente frescas / hei de as comer sozinho.
– Puta que pariu! Pára!
– Mas assim é...
– Bom, a minha parte também não tá lá muito feliz, né?
– Imagina...
– Então segura essa...
– Chora cavaco!
– A máquina, em reparo / [eterno, / a outras mãos / [não sei se pensas / seus segredos ofertava / Enquanto eu, avaliando / [constatava / meu próprio, eterno / [desconcerto
– ...!
– ...?!
– Meus sonhos aniquilados. / Pranto, uma vez mais! / Mas há de ter sido a última! / Recolho meu time, / minha boca, meus olhos. / E minha libido / às garrafas entrego!
– ...nosso problema é pensar demais.
– E não?!
– Será que deveríamos declamar isso tudo, aos quatro ventos?
– Aos sete mares?
– Será?
– Acho melhor não.
– E não vamos terminar, cada um, o seu poeminho?
– E não será o mesmo, o meu e o seu?
– Sim, certamente. Mas a sua parte vai pra um lado, a minha vai pra outro.
– De qualquer forma, deixa estar.
– Mas eu queria declamar.
– Não te aconselho.
– E você?!
– Minha fala é meu ato.
– E por que a minha não seria?
– Porque a sua é segredo.
– Ah, é?
– Ah, não?
– Merda!
– Não esquenta...
– Mas como vou me fazer compreender?
– Vou te consolar com um bom e arcaico inglês...
– Manda.
What is understood need not be discussed.
– Hum...
– E viva os Cravos!


Algoz

terça-feira, abril 24, 2007

Noite eterna

Ah!, meu caríssimo Rubem, também eu fui punido pela minha soberba. Ou terá sido apenas pela minha loucura? Há anos jurei que jamais poria as mãos num volante de automóvel novamente, depois de grave acidente sofrido, culpa senão de alguns poucos – enormes porém – buracos no asfalto, um que me fez desviar pra lá, outro que me fez perder o controle, um terceiro em que enfim me enfiei... e pra resumir a tragédia, jurei nunca mais pilotar. Se fosse contar cada ponto, cada pino, cada pequeno e cada grande detalhe de tudo que decorreu daquele acidente... não seria um conto, mas alguns milhões.
Não muito havia passado, já eu quebrava meu juramento. Sempre gostei de carros e de dirigir, então me enganava com o argumento de ficar só pela cidade. Duas ou três pessoas tentaram – em tempos diferentes – me fazer pegar a estrada de novo. Mas acabaram por insistir demais. Mandei-as às favas. Houve tempos em que, sem mais nem menos, perdia o gosto pelo volante. Ver carrões se tornava tão indiferente quanto beber um copo d’água, e pensar em dirigi-los chegava por vezes a dar preguiça. Tinha vontade de me dirigir à minha cama, e muitas vezes tardava em recobrar qualquer vontade de me levantar. Pra qualquer coisa.
Pois eis que a soberba – e/ou a loucura – entra em cena. Uma amiga foi fazendo com que me sentisse cada vez mais à vontade ao volante. Cada vez mais. Terá sido por nunca ter me incitado à estrada? Porque foi uma coisa muito branda. Foi acontecendo, acontecendo. E como muda que desponta no jardim em meio a todo o resto, e só vamos percebê-la quando já depois de um tanto, percebi um dia, enfim, que sonhava com a estrada. Percebi que sentia a estrada me chamando pra si, como que cósmica e secretamente. Percebi que queria a estrada. Queria novamente o tempo. O tempo da emoção. Mandava então às favas meu juramento, sem saber que seria punido. Resolvi comemorar, e tão somente, a decisão de aceitar, pra mim mesmo, o viver desse tesão do braço ondulando ao vento, da vida deslizando na velocidade da beleza. Peguei a estrada mais formosa, sentei o pé. Virava o velocímetro, fechei os olhos. Era um momento de gozo. E meus olhos se recusavam a abrir. Não os contestei.
Virei um anjinho.


Algoz

Lugares e Móveis*

O bairro e a lua
A noite que termina

A janela que vê
A manhã começar na sala vazia

A cama e o lençol
Que embalam os pés

Os móveis da casa
Lugares que passei

O sofá junto à porta
A escada que leva


Bruno*

A caneca

Com ela
Eu não posso entrar

Pois nela
Eu posso colocar um livro
Toda uma coleçao
Um dicionário
Português, quem sabe?
Ou Italiano

Um mouse ou um cabo
Um teclado
Um monitor
Até mesmo um computador
Como?

Ou dela
Eu posso tirar uma faca
Uma arma letal
Uma bomba na hora H
E explodir tudo

E fazer voar tudo pelos ares
E acabar com mais de 300.000 livros
E gerar um caos
E gerar o fim

...

Ou em ela
Simplesmente
Eu coloque um suco
E não possa entrar
Porque acidentes acontecem...

rodrigo lima silva

quinta-feira, abril 19, 2007

Querendo ser A abelha

POEMA AOS FILHOS DA ETERNA PUTA

Queria não ter passado
pelo mundo, mas aqui
estou.

Sim, Renato, certo estava
[você:
Viver é foda
[e todo o resto.
E o resto:
Êta restinho azedo!

A lei nos impede de trucidar
esses cadáveres ambulantes,
que a torto e a errado teimam
[em nos magoar e aos nossos,
Furtando migalhas de quem
Não as tem!

Sim, Agenor, também você
[estava certo,
cantando pros miseráveis...
“Que tão no mundo e perderam a viagem.”
Tentam roubar bilhetes
alheios,
mas com eles não sabem
[o que fazer.
Se pensam grandes vampiros!
Mas não passam de morceguinhos:
teimam em sugar qualquer gota
[do sangue de qualquer um,
mas nem das frutinhas
[que em seus escuros despedaçam
[sem delas tomar conhecimento,
dão conta.

Por que raios?!
[eu me pergunto.
Mas a vida não pergunta nada...
[Sim, Carlos, você também.
...e continuar é forçoso...


Algoz

Fundamentos Para Uma Ciência Psico-Simbológica*

.
TEORIA

A psico-simbologia como disciplina científica, no presente momento, ainda se encontra em vias de uma formulação consistente para que ocupe, enfim, a devida posição de destaque em meio às diversas abordagens do espírito humano que compõem as ciências humanas.
Sua origem, como percepção, nos remete à própria origem do homem como sujeito cultural, pertencente a uma vida essencialmente simbólica. Ou seja, a percepção psico-simbológica é característica da humanidade do homem. Mas é na antiguidade clássica – como não poderia deixar de ser – que sua prática encontra certa especialização e importância social. Eram chamados de fisionomistas aqueles que possuíam a técnica capaz de traçar um perfil psicológico do outro através, e tão somente, de seus aspectos físicos. Estatura, peso, postura, modo de andar, gestos e trejeitos. Toda forma de significação externa era suficiente para que se construísse uma imagem (ethos) segura e consistente do outro, ainda que prescindisse de um conhecimento pessoal, à base de uma convivência de fato.
Portanto, é preciso um conhecimento do conjunto de valores clássicos, como o belo e o bom, para que se possa tangenciar as implicações dessa conduta, como o sentimento de empatia e o carisma.

Na era cristã, considerada um juízo de valor, a percepção psico-simbológica sofre repressão ética e social, pois é exclusividade das instâncias religiosas, detentoras da verdade divina, fazer o julgamento do que é, e como age – ou deveria agir – o outro.
Nos dias de hoje, essa leitura ainda continua, mas somada à psicologia moderna que atenua essa postura valorativa – embora, na prática, aquela continue imperativa – e a conduz novamente ao seu posto de necessidade e resposta natural à alteridade. Há pesquisas recentes que mostram a importância desse, que pode ser considerado um verdadeiro instinto, na construção das redes sociais e afetivas.


OBJETO E MÉTODO

Como vimos acima, o objeto de estudo da psico-simbologia é a compreensão de como o outro é entendido por nós; a construção do outro a partir de nossa percepção. Pois já é mais que tempo de incorporarmos de fato a impossibilidade, exaustivamente demonstrada pelo pensamento moderno e ressegurada contemporaneamente, de se chegar ao outro; o eu é o limite. Nada mais digno então, do que deixar de lado pretensões sobre-humanas de se conhecer as pessoas e aceitar o perspectivismo inerente a nós, passando a evidenciar a relação e a percepção em si.
Até aqui, nenhuma novidade. Outras ciências o fazem; a psicologia e suas variantes nos são conhecidas já há algum tempo. O estabelecimento da psico-simbologia como disciplina autônoma depende necessariamente de algumas posturas a serem adotadas. A primeira delas é a falta de seriedade. Devemos rir de nossa audácia em tentar definir as outras pessoas nos baseando no que elas aparentam. O que parecemos ser não é necessariamente o que somos de fato. E não se é um, senão vários. A unidade de personalidade que pensamos ter é na verdade a intersecção dos vários eus. Assim, todo o humor e irônia são muito bem vindos para que não acreditemos piamente nesse impulso ancestral. É preciso, em última instância, que se ignore o que as impressões nos dizem – preservando a intuição, que é a forma de percepção primeira –, afinal, quantas vezes elas não são desfeitas? Até mesmo em longos relacionamentos não é raro que se descubra uma pessoa totalmente desconhecida. Zombemos do charlatanismo que explica, mística ou racionalmente, o caráter das pessoas. Só a experiência, o convívio, é capaz de nos proporcionar, minimamente, esse conhecimento. Teorias pessoais como essa que mistura discurso pseudocientífico, psicologia amadora, simbolismos óbvios e achismos de toda ordem, acabam por camuflar e potencializar estigmas, preconceitos, interpretações equivocadas e outras tantas coisas desnecessárias.

Bruno*

terça-feira, abril 17, 2007

A melhor amiga do Homem

Tomava um café na companhia de um casal de amigos e de algumas abelhas. As abelhas, seres de uma existência das mais simples, foram gradativamente cercando o copo da moça. A moça, ser de uma existência das mais humanas, foi gradativamente perdendo a compostura. Primeiro fez caras, depois bocas. Até perceber (uma vez mais em seus mais de vinte anos) que nenhuma das duas coisas demovia as abelhas – que não se demovem por nenhuma expressão facial humana, indecifráveis a seus olhos de caleidoscópio. E tendo lembrado desse fato óbvio, se viu obrigada a fazer dedos, depositando, por fim, seu copo sobre a mesa. E se levantou, arrepiada, sua mão e sua cabeça ainda rodeadas por algumas abelhas. Outro agrupamento fazia corte ao meu copo, e eu as observava, um pouco contente até, de me sentir como um convidado de uma festa de abelhas: elas dançando em volta dos meus dedos, eu as assoprando quando se aproximavam de cair dentro do copo, elas arremetendo e voltando, e tudo de novo. Não estou fazendo nenhuma divisão sexista dos procedimentos humanos face às abelhas. O medo, o nojo, o pavor até, que o ser humano nutre por insetos em geral, não tem sexo, idade, cor, religião ou qualquer outro valor sócio-cultural. Outro dia, aliás, um homem feito, dos seus quarenta anos, fez quase o mesmo – de abandonar seu copo de café – por conta de apenas uma abelha. E respondeu ao meu jocoso sorriso que não era medo, ele apenas respeitava as abelhas, mas à distância. Então, quando as abelhas se rarefizeram no recinto, ela voltou a se sentar, guardando porém como que um minuto de silêncio, convertido em proposital e atenta inércia, antes de voltar a pegar o copo. E como estávamos sem assunto, mesmo antes do café, aproveitei pra fazer minha apologia das abelhas. Que não seria bem uma apologia, mas algo como um argumento de aceitação e convívio pacífico com os tais insetos. Porque as abelhas, de existência simples, mal sabem de nós, humanos. As abelhas não sabem que nós pensamos que elas gostam de açúcar. Porque elas não gostam somente de açúcar. Ou não se juntariam a mim também, que tomo café sem açúcar. Ou então, usando do fator surpresa, viriam a mim apenas, mergulhando em meu copo como num ataque kamikaze, que eu intitularia Coffee Handle. Mas elas não intitulariam nada. Elas, que na verdade não gostam apenas de açúcar porque, na verdade, não gostam de nada. As abelhas apenas vivem para exercerem suas funções naturais, sem gosto nem desgosto. E mais: se as abelhas soubessem de alguma coisa, qualquer que fosse, sobre nós, de fato nos picariam, como estamos sempre a prever que façam. Mas não. Porque não é, em primeira instância, para nos picar, que elas vivem. Sabem de pólen, de mel, de voar. E de outras coisas, certamente, que a nossos poderosíssimos cérebros serão sempre inauditas. As abelhas não nos assustam. Nós é que nos assustamos com elas.
Uma vez, há muito tempo, estava eu num ônibus, dormindo um sono profundo. Faltavam três pontos pro meu, e eu certamente teria passado. Mas umas vozes entraram súbita e agressivamente pelos meus ouvidos, e não aconteceu senão isso: acordei, e assustado. Logo entendi o que se passava: o motorista do ônibus e o de um carro estavam trocando impropérios agressivíssimos em baixo e mau tom, sobre o que tinham feito um ao outro, momentos antes, automobilisticamente. O motorista do carro – que lamentavelmente era um conhecido meu –, já estava, pra meu espanto, à janela do motorista do ônibus, ameaçando lançar, lá de fora, um soco, enquanto gritava ao outro que descesse, pra que ambos resolvessem aquilo tudo como faz um homem macho que se preze. O motorista do ônibus, tão macho quanto, clamava ao outro que desse a volta até a porta do coletivo e subisse. E entre os apelos preocupados dos idosos de dentro do ônibus e as muito zelosas buzinadas que tentavam também amenizar a confusão, esse infeliz conhecido deu as costas, e o motorista do ônibus seguiu caminho.
Ah, sim, as abelhas. Fico imaginando se as pobres abelhas soubessem de nós, com nossas misérias e violências. As que se aproximassem mais do nosso conceito de justiça certamente nos picariam feito pernilongos. E certamente, se não nos dizimassem ou ao menos expurgassem nossas maldades, com o tempo veríamos, nas casas das pessoas mais abonadas e poderosas, lindos jardins cheios de flores, onde inimigos acorrentados passariam o dia tomando café – sempre muito açucarado. E os cachorros passariam a caçar abelhas, na tentativa naturalmente frustrada de retomarem seu posto de melhores amigos do homem.


Algoz

quinta-feira, abril 12, 2007

O tuim e o gato

POEMA AO ETERNO RETORNO

Eu sou o tuim
[do Rubem Braga.

Mas o gato não tem
[sete vidas:
Tem infinitas.

E infinitamente
[um médico
que pensa curar
[monstros,
A cada morte do gato,
por três dias nos deixa
[eu, tuim
[E o gato,
de molho enquanto
[ele, o doutor louco,
passa bebendo e fumando.

Depois abre o bucho do gato.
[eu nunca estou morto!
E nos devolve à vida, ora
[sorrindo, ora chorando.

E passa o resto
[do tempo a nos assistir
[repetindo o devorar universal
[eterno.


Algoz

quarta-feira, abril 11, 2007

Reconsiderando

– Doutor, pára com isso, por favor...
– Não, comigo seria diferente!
– Não, Doutor, não seria, o senhor sabe.
– Eu sei, mas agora é diferente...
– Negativo!
– Diferente, sim... tô mais maduro agora.
– E quanto mais maduro, mais complicado...
– Que complicado?! É, eu sei... fico mais embananado a cada dia.
– Então?
– Então o quê?
– Esquece isso...
– Mas não consigo!
– Nem eu, mas preciso.
– Eu também!
– Então?
– Então nada! Que merda!
– Precisamos viajar...
– Mas não vai adiantar...
– Que não adiante... precisamos.
– Mas vamos voltar, de qualquer jeito.
– É... vamos...
– Então?
– Deixa ela se irritar com outro!
– Mas comigo ela não se irritaria!
– Mas comigo talvez...
– Merda! Merda! Merda!
– O problema sou eu, eu sei... me desculpe...
– O problema somos nós!
– Eu sempre disse...


Algoz

Capoeira

Rabo-de-arraia, ponteira
Meia-lua, rasteira
Macaco, cabeçada
Galopante, queixada

Minhas mãos na terra
e os pés de capoeira[cego da Vida, erra]
levantando poeira

!

tchiquitchiquiDUNdun
tchiquitchiquiDUNdun
tchiqui...

rodrigo lima silva

terça-feira, abril 10, 2007

Piada séria

Agora a Cegonha é morta. Nascemos de trepadas lascivas, selvagens, quase canibais, televisionáveis até. E nos ofendemos, verbal e fisicamente, enquanto fazemos isso. O carinho que temos é por nossas vestes, nosso amor é pelo dinheiro, sentimos saudades de nossas televisões. Sobretudo sentimos saudades de uma televisão, qualquer. Fazemos sexo por carência. Não sabemos demonstrar nem receber afeto. Não temos respeito, não temos cadência. E ainda não aprendemos as enormes diferenças entre afeto e afetação. Criticamos a afetação alheia, mas somos tanto quanto ou mais afetados. E dessa afetação vazia de afeto surgem situações das mais desnecessariamente dolorosas. Chicletamos nossos parceiros com nhenhenhéns – coisa da maior imbecilidade e inutilidade – e, quando nos enjoamos, não deles, mas de nós mesmos – coisa que ainda o mais estulto sempre acabará por fazer, mais cedo ou muito tarde –, sentimos náusea, não de nós mesmos, mas deles. E passamos, então, da falcatrua do paraíso (inexistente) ao mais real e palpável inferno: o inferno a dois. Oh, afeto, cadê você? Ninguém viu. Nossos olhos, juntamente com todos os nossos sentidos, chupados por telas. Com o nosso mais complacente consentimento. Vivemos numa eterna hora das oito. Acreditamos em Fátima e em Glória, apesar da vida, que nasce e morre antes e depois das oito, sem mistérios nem louros, sem olhos, sem dentes e com muito suor e sangue. Há talvez algum brilho, mas apenas nos olhos daqueles inveterados otimistas – não os chamarei tolos –, aqueles da eterna hora das oito horas. Hora aliás em que cessa qualquer nascimento ou morte. Hora em que a vida apenas é, em suspensão de qualquer ato ou fato inerente à si própria, vida. A vida, apenas. É um brilho fosco – com o perdão do paradoxo –, reflexo do reflexo do reflexo do infinito. Seria tempo de absoluta depuração, mas Drummond também é morto, e ousamos que mesmo em seu tempo de vivo, já não houvesse mais depuração que desse conta dessa conta. São tantos zeros. Tantos zeros. À esquerda, à direita. Sobretudo acima. Zero sobre zero: a hora dos ocos em que nos deixamos transformar. Ao ponto de crermos como a mais absoluta das verdades que o amor é feito de intrigas, de atritos, de dor e sofrimento, de compras e bajulação, de desconfianças e vexames. Sobretudo de desrespeito. Nossos pênis viraram automóveis, nossas vaginas pancadões. E falando nisso, imaginamos nossos primeiros avós no coito. Seriam os homens da caverna tão toscos, que nos entrementes dos atos sexuais batessem em suas respectivas com tacapes? Não estamos propondo um breviário da História Sexual do ser humano no quesito “afeto versus violência”. Mas seria interessante pensarmos em quão bonito seria um homem das cavernas que, com algum carinho genuíno e despretensioso, fizesse nossas feministas engolirem lágrimas de... afeto? Não, não vamos pender pra suposições de que sejamos menos afetuosos que nossos avós mais distantes. Até porque o ser humano, pelo exato fato de ser humano, é, sempre foi e para sempre será um rude animal cujo cérebro só o faz melhor que os demais animais no quesito animosidade. Não sabemos a beleza de um simples encostar de ombros, de mãos pousadas com honestidade uma sobre outra. Não sabemos entender ou respeitar o olhar perdido do que se senta ao nosso lado, e que funde sua mão com a nossa em sinal de ternura pura. Não entendemos nem respeitamos seus pensamentos mais profundos e remotos. Não sabemos louvar os abismos dos segredos alheios, não sabemos o silêncio. Amamos com tanto desprezo, com tanto ódio até, que trepamos como atores pornô. A Cegonha é morta. E a nós, sem fábulas nem criatividade, nos resta isso: a beleza suprema dos amores brutos, nossa violência mais crua, e nossa destreza em sermos cruéis.

***

Um corpo desliza, no sofá, até estar com a cabeça no colo do outro. A orelha, ao encostar na coxa, encosta no controle remoto e muda o canal num segundo muito importante. A coxa dá um safanão respeitável na tal cabeça, que volta quase à altura em que antes se encontrava.
– Porra, Amor! Justo agora!
– Caralho, Tchutchuco, seu cavalo!


Algoz

quinta-feira, abril 05, 2007

Um silêncio diferente

POEMA A UM REI

Bem-aventurados os que a si mesmos
desenganam,

Pois é deles o reino do humor eterno.

***

Vem o médico em visita
(Mas que raio de visita é um médico?!)
Fecha a porta, examina.
Sai.
Aos parentes, as más novas:
paciente desenganado.
Lamúrias, lamúrias...
Entram e se surpreendem:
o desenganado sorri maroto.
Não entendem, não perguntam.
Ele responde:
Vou processar esse médico!
(?!)
Por plágio!
(?!?!)
Desaforado!...
(?!?!?!)

(...)

...me desenganar...
...a essa altura do campeonato!?

***

Bem-aventurado.


Algoz

terça-feira, abril 03, 2007

O barulho que o silêncio (não) faz

Alguém disse que o silêncio faz um barulho que incomoda. Faz, de fato. Faz um puta barulho. Faz barulho o silêncio de uma carta não respondida. Faz barulho o silêncio da boa nova recebida com a indiferença do amor mal direcionado. Faz barulho o silêncio da impotência, e mais barulho ainda faz o silêncio da consciência da impotência. E como é barulhento o silêncio socialmente forçado das vontades atrozes que nos acometem de trucidar certas pessoas em certas situações. Barulhento e borbulhento. Faz barulho o silêncio da resposta não dada à ironia provocadora. Mas esse silêncio faz um barulho que incomoda menos a quem o faz. Ou antes deveria. O silêncio da intolerância. O silêncio engolido a seco do zelo que não quer ser mal visto. O silêncio do amor reciprocamente amado mas que, não se podendo concretizar, fica para todo o sempre sendo velado vivo, em eterno, profundo, e incômodo silêncio.

***

Ali, naquela pedra no canto da praia, estávamos sentados. A tarde caía, e parecia que lentamente. As tardes sempre caem na mesma velocidade, de acordo com as respectivas estações. Mas às vezes temos essas impressões da natureza agindo em prol de nossas sensações. A tarde caía. No céu, poucas nuvens. Barulho de vento, barulho do mar. Ombros encostados, olhávamos. Alguém perguntaria se olhávamos na mesma direção. E pra quê?! Olhávamos aquilo tudo: céu, mar, horizonte, pássaros talvez. O mais importante é que fazíamos silêncio. O silêncio sempre bem vindo das coisas agradáveis vividas com pessoas agradáveis. O silêncio... do universo?
Porque há o silêncio da experiência, o silêncio de quem está com a razão, o silêncio de quem tem palavra. O silêncio da sabedoria. Esses só incomodam aos estultos.
Essa cena da praia jamais aconteceu. Mas a idéia dela me faz silencioso, me faz bem. Um bem um tanto tristonho, mas silencioso como um sorriso de Gandhi.


Algoz

segunda-feira, abril 02, 2007

Ego, Hic et Nunc*

Há quem viaje o mundo inteiro dentro do seu próprio quarto
Eu, não
Estou sempre em alguns poucos lugares.
Contam-me sobre eventos místicos, mágicos, fantásticos, milagrosos,
[coisas sobrenaturais, misteriosas...
Comigo, nada disso.
Se atravesso a rua, chego ao outro lado
Se caio, me machuco
Se acordo, trabalho.
Provo dos mesmos sentimentos possíveis
E sou tão importante quanto os grandes feitos
[das grandes civilizações – extintas.
Quando muito, o espetáculo é rizível
(Como os que almejam existir, fazer a diferença).
Pertenço à realidade bruta
Tenho apenas cinco sentidos
Para enfrentar o tédio,
A preguiça é minha única vantagem.

Bruno*

domingo, abril 01, 2007

.........proposta............

... propom-se ilimitado sem fim ... infinita liberdade ...
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s . .? . . .. . ?

Siscão