Durante muito tempo pensei que a contradição fosse uma condição humana, e sofri na pele as conseqüências de viver submetido a este fardo. Hoje penso que não é a contradição a condição humana, mas sim a existência dos opostos. Os opostos não precisam ser necessariamente uma contraposição, podem simplesmente coexistir e até mesmo complementarem-se. O nome que se dá a essa possibilidade é ambivalência. A existência de extremos opostos num único caminho; o paradoxo possível e aceitável.
Não é difícil compreender porque esse princípio é inato à tentativa de entender o mundo. Basta esboçar o entendimento deste para que surja imediatamente a natureza distinta e oposta de todas as coisas: o claro e o escuro, o homem e a mulher, a verdade e a mentira, o bonito e o feio, o bem e o mal. Tudo parece se definir por uma oposição básica e essencial.
Essa condição talvez exista desde sempre, e encontramo-na cristalizada nas principais “explicações de mundo”. Na antiguidade clássica, embrião de nossa cultura, está formulada no princípio Aristotélico da “não-contradição”. Na era cristã esse princípio fundamenta, à custa de certo terror, a norma moral e social, pois é quando tudo acontecer ao contrário que o homem se verá diante do fim dos tempos.
Cabe a nós reconhecer o quanto esta condição determina nossas vidas, para que possamos sublimá-la, simplesmente tomando ciência de que pertencemos a uma outra era, posterior ao reino da contradição sobre a alma dos homens, na qual o princípio da ambivalência, coerente ao nosso tempo, pode proporcionar um entendimento muito mais ameno do fenômeno da vida e de nossa interioridade, pois não contrapõe a natureza dual das coisas, concilia. Não é preciso mais que entremos em conflito por sentir isso ou aquilo, por ter de escolher entre uma ou outra coisa, por sermos deste ou daquele jeito. Somos todas as diferentes e opostas características de nós mesmos, sentimos ódio e benevolência, tudo ao mesmo tempo, do mesmo modo que as pessoas nos fazem bem e mal, do mesmo modo que nascemos e morremos.
Se incorporarmos essa nova relação harmônica entre os opostos, admitindo que uma coisa ou alguém, não é isto ou aquilo, mas sim, isto e aquilo, talvez consigamos restaurar a tranqüilidade que nos falta quando pensamos, sentimos e vivemos em contradição.
Bruno*