Confraternização

(Na geladeira)

quinta-feira, março 19, 2009

Despedida

O Blog diz até logo. Como no fim de uma confraternização de amigos, ficamos de nos encontrar de novo – quando no fundo nunca sabemos se nossas vidas permitirão tal desejado reencontro. Aceitamos, até lamentamos – mas, sofrer não é o caso. Durante sua existência, de pouco mais de três anos, nossa Confraternização cumpriu seu objetivo de ser um blog comunitário aonde amigos pudessem postar seus textos, idéias e fomentar alguma troca e discussão. Acredito que chegou até a criar uma personalidade própria, com um tempo seu e de certa forma independente, enquanto escreviam com maior assiduidade algum de seus autores: Bobi, Siscão, Bité, Thiago, Eduardo, Fred, Algoz...
E como não poderia deixar de ser, cada um tomou seu caminho, dedicando-se a outros projetos ou criando seu próprio blog.
Portanto, declaro encerradas as atividades deste querido blog e espero que em algum momento as palavras escritas aqui tenham sido significativas na vida dos que dele participaram.

Abaixo, estão linkados blogs pessoais de alguns de nós:

segunda-feira, outubro 13, 2008

Idílio*

Eu lhe dou minhas prendas
A gente dorme ouvindo o mar
Vou lavando e varrendo
E cantando, no diário

Faz sol na sala
No quintal lá fora
Nosso lar, verde lar

A gente brinca de cabana
Se cozinhar nos faz tão bem

A luz do dia,
O passeio na praia

De manhã logo cedo
Tem você acordando
Tem café da manhã

Tem o miquinho
Pulando na árvore
Fazendo sorriso

Depois vêm o almoço e a janta
E o dia seguinte

Mas nossa vida é agora
Com a paz possível
E você do meu lado


Bruno*

Formigas*

São invencíveis as formigas.

Sustentam os maiores pesos,
Suportam os maiores impactos.

Morrem infinitamente,
Permanece a formiga.

Facilmente extermináveis
- E indestrutíveis.

Heróis de fábulas,
Simbolo da insignificância
- E insistência da vida.

Devoram - pequenas.
Devoram - apenas.

Passam levando folhas imensas
(Força obstinada, inconsciente)
Olhamos: somos tristes deuses de formiga.

Formigas, formigas são.

Inseto admirável:
A formiga é a vida!


Bruno*

quinta-feira, outubro 09, 2008

Mea-culpa

Eu, que sou apenas mais um doente,
De tantos relacionamentos tortos,
Mal criados, mal fornidos, mal vividos,
Mal acabados, enfim.

Chega de coração, de mente, de alma.
Chega de braços pegajosos, brutos.
Chega de narinas e ouvidos apurados.
(Psicótica e estupidamente apurados)
Chega de olhos possuídos
[da mesma estupidez.
Chega do fogo egoísta da paixão assassina.

Quero agora amar com a minha pele, e só.

Sim, meus braços são hematomas
e minhas pernas cicatrizes.
Minhas mãos queimaduras, dos cigarros
[dormidos pela desistência consciente e triste
[das discussões impostas e inúteis.
Sim, meus pés são duros, feios e calejados
[pela aridez desse caminhar abandonado.
Desse caminhar que nauseabundamente
[se cansou
[de corações e de cabeças e de almas
E de tudo que acaba mal, sempre.

Sim, minha pele é tão doente quanto meu coração.

Mas decidi que quero amar só com a pele.
Decidi acreditar que vou amar só com ela.
Pronto, amo com minha pele, ela é grande.
Na minha pele cabe muito amor.
Cabem as joaninhas e as abelhas
Cabem a chuva e o vento e o oceano inteiro.
E cabe também cada gota de cada poro
de cada centímetro de cada curva da pele
Daquela mulher que nem pensa na minha pele.
Como minha pele ama a pele daquela mulher!
E sigo assim, em frente, quase impávido.
Sou possessivo apenas com meu sangue.
E não tenho saudades nem do meu suor.

Eu queria que isso fosse um poema.
E que todas as noites, bem baixinho,
eu o dissesse e algum deus me ouvisse
[e talvez comigo conversasse.
Mas não confiando nesse suposto poema
(que ele não deve querer dizer coisa alguma),
Todas as noites em silêncio me dispo
E por breves intensos momentos eu sinto
[a compreensão, de algum deus eriçado,
Da oração que é meu banho gelado.


Algoz

segunda-feira, outubro 06, 2008

Paralisa

carta

Alhures, treze do nove de dois mil e oito

Cabeção,

A culpa é sua: tanta faniquitice pra fechar negócios, pra dar ordens, pra mandar e depois fazer sozinha; e na hora de se mandar de férias não cuidou da própria viagem, na desordem da sua vida particular, a ponto de não ter aberto o passaporte senão na hora do embarque, pra descobrir a validade vencida. Sim, a culpa é sua.
A culpa é sua, mas antes que eu continue com a reclamação, digo que sei que esse (des)embarque foi um dos pontos altos desse processo de desfaniquitização por que você vem passando. E, no que a própria viagem se baste como argumento, foi pra bem que ela tenha acabado começando na primavera - você e eu sabemos que esse dezembro fez jus à estação. Aliás, qual foi mesmo o mês da sua viagem? Me escapa, agora... Aliás, apesar desse parágrafo de reconhecimento do bem que veio dos males, a culpa é sua.
A culpa é sua, por ter me feito perder o que sequer ganhei (apesar de tudo que ganhei, e que não foi - nunca é - pouco). Sabe aquele cara que você conhece e... (é claro que você não sabe, mulher com essa anedota de sexto sentido não entende um sexto disso.) Enfim... Às vezes, é raro, mas acontece... às vezes acontece, numa mesa de bar, em qualquer lugar... de um cara saber, só de olhar, que outro cara seria um puta camarada. E, com mais um bocado de sorte, o tal feeling se faz realidade. Com o seu Jagor foi assim, você sabe... ele era colega de um colega, os dois conversavam, encostados numa mureta da vida, quando eu cheguei... o colega em comum foi embora, e quinze minutos depois nós já tínhamos montado uma banda, sido varridos de uma dúzia de bares, azucrinado e feito sorrir e gargalhar todos os nossos amigos (você inclusive!)... aquele merdinha me deu até uma namorada de um ano de bonança e mais um de tempestade (e ainda se gaba disso até hoje...!)... e tudo isso porque ali, naquele papo de música e mulher (eu ia pelo quarto ano, ele ia pelo quinto, e nenhum de nós se lembra sequer de ter visto o outro antes desse dia), ali, em dez minutos de conversa, essa magia aconteceu e se fez fato. Ah!, lembrando que com o seu Bobildo também foi assim. Causa dita, voltemos à culpa, que ela é sua.
A culpa é sua, por ter dado à imaginação da minha intuição um amigo que já não posso ter. Pronto, eu explico (passava da hora, não?): se você tivesse visto o passaporte, e assim viajado quando era pra ter sido, não teria conhecido aquele viajado escritor. Donde, não teria me perguntado se eu o conhecia. Donde, eu não teria por ele procurado, não o teria encontrado, não teria gostado do blogue dele, a ponto de devorá-lo a ponto de me deparar com um vídeo. Era um cara cabeludo, com uma faixa branca na cabeça. Cliquei. E a química foi tamanha, que ao final dos quase três minutos de discurso eu já tinha memorizado o discurso quase todo, voz e entonação e trejeitos. Meus braços estavam arrepiados, meus olhos marejados. Assim, sem qualquer explicação possível ou plausível, mesmo pra mim mesmo, que sentia a magia e não tinha como nem com quem dividir. E a magia era: eu era brindado com um amigo. Um amigo do bão. Desses que a família se calhar nunca conheceu, que as namoradas todas odiaram (a namorada que gostasse de um amigo assim... não, não há divindade tão bacana assim...), e de quem outros amigos por vezes sentiram ciúmes. Desses com quem a gente conversa até sobre mecânica quântica, até as luzes do bar se apagarem, até as portas dos olhos se fecharem. O discurso dele era simples, vai, não vou dizer que não... ele falava sobre questões lingüísticas (pra resumir toscamente) tão aparentemente bobas quanto assustadora e belamente fulcrais das relações humanas. E fui com a cara dele, assim assim. Mas quem era ele? Prova irrefutável da química: eu já tinha a imagem e a voz dele correndo pelas veias, e ainda não sabia o nome do cara. Então eu finalmente vi que o nome dele estava acima do vídeo; como se eu tivesse lido uma matéria sem ter lido a manchete, apenas por ter visto no corpo do texto uma palavra qualquer de que eu gostasse muito e que fosse raríssimo encontrar senão na minha própria cabeça. Então procurei, e encontrei mais coisas dele. Me ative aos vídeos, porque a imagem dele me era extremamente simpática. E me encontrei, sem procurar, com a vontade forte de fazer parte desse pedaço de mundo que ele representava pra mim, e que era, basicamente: ser escritor. Mas a vida tem suas próprias vontades, e muita força também: eu mudei de país, me mudaram de casa, fui viajar, voltei, vivi e trabalhei, bebi e conversei... e escrever que é bom, nada. E o tempo passou...

Sabe, o mar tava muito grande, então fiquei só a contemplar. Logo o estômago reclamou, fui ao bar. E lá, à porta, enquanto batia a areia dos pés, olhei pra televisão. O mar ia mesmo grande, o áudio da tv era inútil. Mas o noticiário dava, numa faixa abaixo da imagem, as principais manchetes. Sem perceber, eu tinha as mãos no rosto; meus olhos uma vez mais marejavam. Fiquei ali, estático, à institiva espera da repetição da tal manchete. E a manchete voltou, e era, sem mais nem menos, aquela exata e tristíssima notícia. Sabe, eu sei que parece mentira ou licença poética, mas assim que o choque me permitiu ouvir, tinha acabado de começar na rádio a música "Who wants to live forever?". O mar era grande, mas eu só ouvia a música, e minha angústia era tamanha, que apesar da violência das ondas, que antes pareciam uma arquibancada, tudo que eu via agora era um embaçado de água: não havia espuma, apenas faixas de água mais claras, quase brancas... e as ondas parece que apenas dançavam, e não pra frente e pra trás, mas de lado a lado.
Agora, tarde que é pra conhecê-lo pessoalmente e apertar sua mão em mútuo sorriso (só o pensar dessa imagem da simples e boa concórdia entre dois homens que, se agora são estranhos um ao outro, em minutos serão prova divina da existência da provável única eternidade: a eternidade da camaradagem...), só o pensar dessa imagem de sorriso e aperto de mão, sinto o arrepio cósmico e irremediável da cruel e maravilhosa imperiosidade do Relógio dos Tempos... Ele me chama. E eu quero queimar. Preciso queimar. Ainda que seja em carinhosa memória desse amigo que não me conheceu. Mesmo que apenas pra chegar onde ele chegou, e sabendo que o tempo seria de qualquer forma um obstáculo muito forte a que nos conhecêssemos, ainda assim tentar acreditar que, caso tivéssemos nos conhecido, caso tivéssemos convivido, ele talvez não tivesse desistido. Mas não é tarde pra ler um livro dele, nem pra escrever um meu. E se o meu não sair, conforme se prometeu (e enquanto descansa Bruno* e Algoz adormeceu), ficam aqui os meus respeitos ao amigo que você me deu.

Pisco

segunda-feira, setembro 22, 2008

As Moscas*

A mosca surgiu imediatamente quando me viu
- Era enorme -
Não importava para ela que eu ainda estivesse vivo
- Nem eu mesmo sabia se estava morto -
Mas como doía a vida, sabia que vivia, desejando a paz da morte

Como não se importava, a mosca mergulhou em minha morte
- Amarela e líquida no chão -
Indiferente a minha pouca vida
Sabendo que era só uma questão de tempo

Acima de mim, um radiante teto azul
Indiferente a todo carinho e sofrimento
- Eu era a mosca, e não podia dizer adeus -

A dor não julga; eu já não pensava
Meu único verbo era um grito desesperado
Minhas idéias, um delírio de dor e ódio
- Por estar vivo -
E um clamor desesperado para que cessasse
- A vida ou a dor -

Se um dia o mundo se acabar na convulsão de uma cólica agonizante
Não chore
Não grite
Não desespere
Não clame

- Era enorme, e indiferente -


Bruno*

segunda-feira, setembro 08, 2008

Chegue*

Não vá, não vá
Chega de partir
Chega de chorar
Não há aonde chegar
O seu lugar é aqui

Chegue, não vá
Juntos temos lar
Uma vida simples e devagar

Me beija devagar
Sem ter que partir
Outro lugar pra ir
A gente quer viver em casa
A gente quer viver junto


melodias que se cantam vida...

Bruno*

sábado, julho 26, 2008

Evento*

Das coisas que acontecem o tempo todo, o que se destaca entre elas torna-se um evento. Pois bem: era uma encruzilhada. Em suas esquinas, havia uma igreja que parecia abandonada, uma praça, um outro comércio qualquer e um bar do qual eu acompanhava o movimento das coisas. Notei espantado o menino que em menos de um minuto adentrou o recinto e se pôs habilidosamente a devorar um pedaço de queijo e outro de pamonha, separados em pratos individuais. Sem receio, com técnica e precisão, o menino levava-os à boca numa faca de cerra e ponta. Fiquei admirado. Não só pela combinação inusitada de alimentos, até então desconhecida por mim, mas também pelo perigoso ato de levar a faca diretamente à boca, o que fui severamente advertido de fazer quando criança - embora achasse muito mais prático esse procedimento . O pai do menino e dono do bar, no entanto, não compartilhava dessa preocupação; ao contrário, assistia com certo orgulho a coragem e destreza do filho, que terminou sua refeição vespertina e saltou por cima do balcão em direção à rua. "As crianças são insanas".
Depois de um café, um chocolate, um cigarro e uma Coca, devidamente entupido de cafeína, paguei minha conta e parei um instante em frente ao bar. Inevitavelmente, deixei-me levar pelo vislumbramento dos arredores: transeuntes, um mendigo, o trânsito intenso, os sinais abrindo e fechando, barulho. Atravessei uma parte da encruzilhada e me sentei num banco de praça daquela cidade distante, próximo ao ponto de táxi; as lojas em frente. "Toda cidade é uma cidade. Todas as cidades do mundo são iguais. São diferentes, mas funcionam do mesmo jeito, têm sempre os mesmos movimentos. Sim, cada uma delas tem sua cor local, mas todas estão baseadas em alguns poucos conceitos, todas tem uma praça, uma igreja e uma sorveteria, shoppings, bairros nobres e pobres, e estão todas sujeitas às regras invisíveis da ordem vigente, determinadas por características que definem o que é centro ou interior, o que provavelmente é mais um dos efeitos da globalização, ou talvez de uma cultura de massa que impõe uma mesma padronização arquitetônica e estrutural." Foi o que me ocorreu, e tentei organizar em palavras, enquanto estava sentado naquele banco, daquela praça que poderia ser mais uma das infinitas "praça Castro Alves" espalhadas pelo Brasil, localizadas ao lado de uma das "avenidas Rui Barbosa".
Ali permaneci mais alguns minutos até que chegasse minha hora de partir, deixando para trás a encruzilhada, o menino, a praça, a cidade, levando comigo somente a agradável recordação desse breve evento e a certeza de que o mundo continuaria inalterável em seu eixo.


Bruno*

sexta-feira, julho 25, 2008

Siscão

terça-feira, julho 22, 2008

O Galo Soprano*

O galo soprano é um enfeite. Uma honesta alegoria para coisas que não sei figurar bem; a moldura de quadros que pinto em devaneios cheios de teorias e intelecções.
Passo os dias a ouvir o cocorejar desse galo - tão curioso, peculiar, estreito e fininho. Fico intrigadíssimo, sem saber direito o que achar dele. Como transformá-lo num símbolo para a intrínseca ambição de poder que há nos homens? Conheço pessoas e aves de muitos cantos, e agora convivo com esse galo que se torna uma confusa alusão para a mesma necessidade de dominar (desejo e poder) as galinhas, que por serem galinhas necessariamente precisam de galos e ovos, e para a qual são inventados mil discursos e cantos diferentes, sendo que a intenção velada, ou anunciada, varia muito pouco: minhocas, pintinhos, terreno...
Chego a sorrir; acho alguma graça em talvez perceber tudo isso. Mas também me entristeço; afinal, é compreensível algum tédio por assistir sempre ao mesmo movimento (a eterna repetição). Não chego a discordar - no final das contas, tudo é muito natural e correto do jeito que é, e seria tola pretensão conceber algo além disso.
O que me resta é fazer desse galo soprano um rumo para qualquer prosa; quem sabe atribuir a seu canto alguma profundidade, algum leve tom de azul que inspire a reflexão e contemplação do cotidiano; torná-lo um pequeno brasão da solidariedade que tenho por qualquer pequeno sofrimento, até mesmo por aqueles que o vivem sem saber, sem reconhecê-lo, talvez por não terem à disposição um pequeno animal como esse, que grita em qualquer interior, na rotina imposta por si mesmos e que os consome em qualquer grande cidade, aonde moram muitos e distantes amigos; daí então esse canto seria simplesmente mais um canto de saudade.
Desculpo-me por gastar nosso precioso tempo com a historinha desse meu galo soprano, que não é uma historinha, mas lembra ingenuamente muitas delas. A vida é bem mais séria no seu diário, por mais leve que este seja, e não quero que meu galo se torne mais um modo leviano de encarar a realidade.


Bruno*

sábado, julho 05, 2008

Mudança: A Nova Velha História*

Adeus, cabras, cabritos, bodes, bois e bezerros. Aprendi muito com vocês. Seus grunhidos foram motes para excelentes especulações, divagações e vãs filosofias em geral. Com o tempo, fui capaz de reconhecer suas diferentes formas de expressar, que variavam de acordo com a maturidade de cada um: os bezerrinhos novinhos e seus berros, estridentes, agoniados, como os de um bebê, que precisa e quer, e por isso pede e exige, do mesmo modo que fazem os jovens, cheios de vontades e coisas por fazer e conseguir. Tão diferente das cabras mais velhas, que berram com aquele tom de resignação, uma para a outra, como que numa monótona conversa de idosos, sem pressa ou grandes e urgentes necessidades; provavelmente estão a considerar o tempo, ou fazendo vagos e vagarosos ensinamentos aos mais recentes na pastagem de sempre.
Impossível não fazer estas comparações; associá-los a pessoas tão humanas.
Os bois ruminam. Bufam naturalmente bravos, arredios; ora desconfiados, ora indiferentes. Mas, não me estenderei mais sobre os bois, pois todos sabem quão filosóficos estes são, e muitos outros autores já o demonstraram com muito mais propriedade. Este é um texto de despedida; e agora que já dei o devido adeus aos meus amigos caprinos e bovinos, devo continuar com minha tarefa.
Adeus, minhas inumeráveis e estrondosas vizinhas! Como foi penosa a aprendizagem de conviver com as lascivas e altíssimas melodias que com tanto afinco passavam o dia inteiro a escutar! Nunca deixei de admirar uma relação assim tão íntima com a música. Afinal, nem todos se interessam por conversar com nossa outra vizinhança, as camaradas cabras. E vizinhança não se escolhe, não é mesmo? Aceitamos como a mesma alegria que recebemos a visita indesejada de parentes indesejados. A vizinhança é essa família a qual a vida nos impõe, como tantas outras coisas, e a qual pertencemos sem desejar pertencer. Em suma, agradeço a importantíssima lição de tolerância a qual estive pacientemente submetido.
E tudo isso devo à fantástica arquitetura erigida pelo proprietário de minha breve residência, provavelmente inspirada numa ideologia comunista de compartilhar e dividir. Este teve o cuidado de construir as casas de modo que todos levassem uma vida em comum, compartilhando de cada ruído que o vizinho ao lado fizesse, desde um tilintar de chaves a assuntos muito particulares - que os mais pudicos achariam mesmo obscenos. Adeus, meu caro imprudente proprietário! Não mais o incomodarei com minha absurda exigência de contar com água para o básico de uma existência digna; não mais questionarei sua tranquíla e honesta irresponsabilidade! Graças a ti, mudo-me mais uma vez para outra morada, nesse inexorável movimento de estar sempre a recomeçar nossa vidinha miúda; nela mal temos tempo de nos acostumar e pretender alguma estabilidade; tudo está sempre a acontecer: é assim que é.
Por isso me despeço, comovido, respeitoso, como quem nota um frame do devir de sua tropicante trajetória. Junto minhas coisinhas e entrego a casa a seus moradores originais, aranhas, formigas, traças e escorpiões - insetos de tanta garra e perseverança. Por isso faço esse registro: já morei em tantas casas, é possível que um dia não me lembre mais de nossos instantes, como aquele véu de água que suavemente caía quando chovia forte, sem goteiras, apenas refrescância, das que fazem a gente imaginar coisas de olhos fechados; da meia-luz refletida nas paredes, tão boa para se ter calma e esperar ao balanço de uma rede...
Adeus, ó lugar - você existiu!

Bruno*

sábado, junho 28, 2008

Passarinho*

Muitos dos que lêem devem ter tido, quando criança, um relacionamento afetivo com árvore, se pendurando nos galhos - aos gritos das mães -, colhendo frutinhas, construindo casinhas e brinquedos. Acredito que minha geração seja provavelmente a última a contar com uma dessas histórias de árvore. E o mesmo acontece com as ruas de terra e com as brincadeiras em rua de terra, a pipa, o peão: jogos que não interessam mais a geração dos apartamentos e video-games.
O que não tive foi a oportunidade de caçar passarinhos. Não pela caça, obviamente, que é atividade muito maldosa, mas pelo prazer do contato com esses bichinhos encantadores, tê-los na palma da mão, conhecer suas variadíssimas espécies e cores e cantos. Não é a coisa mais bonitinha um passarinho andando, aos pulinhos?
Lembro do meu pai contando histórias de passarinho: investidas, negócios, cuidados. Um de seus maiores arrependimentos, segundo ele, era ter matado alguns passarinhos. Por isso, sempre que penso na palavra remorso me lembro de passarinhos. Aprendi a nunca permitir esse sentimento, e a ser bem quietinho, como quem espreita passarinho.
Já pensei em criar um calopsita em casa, mas o cativeiro é sempre uma judiação, e felizmente minha preguiça é sempre maior do que planos tão audázes. Já pensei também na hipótese de me tornar um passarinhologista, espécie de biólogo-fotógrafo amador, para estudar e saber tudo sobre passarinhos - idéia que, ao que tudo indica, terá o mesmo fim das outras.
Passarinhos são tão bonitinhos que dá até para conversar sobre eles sem ter a preocupação de dizer nada mais além de sua beleza; sem precisar fazer nenhuma consideração importante e séria sobre a vida. Só a palavra passarinho já é bonita: passarinho. Arte boa é assim, existe quase que naturalmente, um encanto em si, que surge sem a mão e a razão bruta do homem. Basta concentração e atenção para avistar uma, como a um passarinho. Com empenho e sorte, pode até ser que um atravesse a janela e entre em sua casa, pouse em sua cama, abra o seu livro favorito e repouse tranquílo - com todo o esplendor de sua plumagem à mostra -, cantando algumas levezas em palavras, como num belíssimo e epifânico vôo emoldurado por uma pintura que nasce diante de seus olhos emocionados.


Bruno*

sexta-feira, junho 27, 2008

A Modernidade e o Jambolão*


Memórias, da infância ou de toda vida, costumam ser um bom mote para crônicas. Estava a ler uma dessas, que me causou lembranças e vontades de uma do gênero.
Reminiscências são alimento para muito pensamento.
E o que me ocorreu de contar foi sobre o pé de jambolão do meu bairro, da minha infância. A árvore era enorme, corpulenta, pertencia a mais de um terreno e seus galhos cobriam boa parte da rua. As frutinhas eram até gostosas, mas manchavam mãos, roupas, casas e calçadas, o que era considerado um problema. Não era uma árvore habitável para molecagens, como as divertidas pitangueiras e o chapéu-de-sol, mas era bom ouvir os passarinhos que no final da tarde vinham e faziam uma enorme festa, gorjeando altíssimo. Mas, como não poderia deixar de ser, o tempo passou, trazendo a modernidade e os negócios, e a árvore precisou ser cortada para dar lugar ao estacionamento de um super-mercado. Soube que no dia houveram manifestações de desaprovação, uma senhora chorou, e eu mesmo quando vi aquele vazio deixado me senti muito triste, indignado. A modernidade sempre chega; chegou para aquela árvore e chega para nós, embora choremos e relutemos contra suas moto-serras e asfaltos, contra suas recentes opiniões que vêm incomodar nosso mundinho já certo em seu erro de idéias bem acomodadas.
Um pouco antes, nessa mesma época, trocaram os antigos paralelepípedos de concreto - que segundo uns ajudavam a dar o ar de cidade praiana - pelo asfalto de pixe, muito mais adequado à modernidade. Acompanhei a transformação com a companhia de familiares e moradores, que me contavam sobre inúmeros acidentes de trânsito que estavam acontecendo. Reparei que a cidade sofria se adaptando à tranformação do asfalto, que trouxera uma outra velocidade muito mais acelarada à cidade acostumada ao antigo rítmo dos paralelepípedos e lombadas; agora os pedestres e ciclistas - vale a pena citar que a bicicleta é o principal meio de transporte da cidadezinha - tinham que se acostumar e prestar mais atenção com os carros que agora voavam baixo. Voar é coisa da modernidade. E na modernidade tudo é muito rápido.
Como na cidade grande, a metrópole, que é muito filha da modernidade, onde tudo é muito acelarado, inclusive nós, pessoas humanas, que provavelmente ainda teremos muito que se acostumar com toda essa velocidade, pois a correria do dia-a-dia não parace fazer exatamente bem às máquinas como coração e cérebro. Dói, mas também é bonito de ver, na cidade, as coisas tentando funcionar.
No interior é um pouco diferente, o tempo é outro, e até o rápido é mais devagar. Anda-se mais com as pernas, vendo coisas que são do interior: pessoas passando a vida na janela, na porta, em frente de casa, jogando conversa fora com os conhecidos - ou nem isso. À noite, têm amigos que se reunem na rua mesmo, pra beber, jogar cartas, alcovitar; para disperdiçar a vida com a tranquilidade dos interiores, onde o galo acompanha, cuidadosa e seriamente, as galinhas a atravessarem a rua, e os terrenos são baldios para que as crianças joguem bola e sonhem em ser grandes jogadores de futebol; interior aonde há sempre muito mato para os bichos e resquícios de uma vida natural, com mangas caindo pelas calçadas e araçás ao alcance de qualquer fome; e onde é sempre bom manter-se informado sobre a tábua das marés e a cotação do camarão.
Os interiores são bacanas; os exteriores também. Há muita modernidade misturada à vida besta, mas nem sempre tão simples, de vários interiores e lugares; inclusive em Marte. Nossa tecnológica modernidade sonda até os buracos de outro planeta, é incrível. Mas é possível que em nosso planeta mesmo mal saibamos o que seja afinal essa tal de modernidade: talvez seja o visual sempre arrojado dos jovens, os relacionamentos cibernéticos, novíssimos utensílios domésticos, o bluetooth. De qualquer forma, na modernidade parece não haver espaço para pés de jambolão; quem quiser ter o prazer de se sujar com as frutinhas, terá de buscar um interior - mas que vá rápido!


Bruno*

quarta-feira, junho 25, 2008

O Segredo*

Sonhei um segredo.
É o que os sonhos fazem, nos contam segredos, de nós para nós mesmos. Mas este segredo eu já sabia; já vinha me sussurrando, muito discreta e cuidadosamente, por ser assunto muito sério. Tão sério que outros preferem guardar esse segredo, compondo músicas e poesias. Sempre lembro de um texto, que me marcou muito e acho muito bonito, do Drummond, e que se chama assim, Segredo, onde se diz: "A poesia é incomunicável, Fique torto no seu canto, Não ame." Lembro também de uma música dos Beatles, "Do you want to know a secret", que também pede cautela para a confissão que é feita. Eu mesmo, sem me dar conta dessa necessidade de manter algo tão importante em sigilo, escrevi há algum tempo atrás um texto entitulado Segredo*.
Mas, afinal, que conteúdo é assim, tão temeroso e importante, para que se guarde tanto segredo? Pois eu acredito que esse segredo seja o amor. Sim, o amor. Ao menos, foi isso que meu sonho quis dizer e que me parece ser o mesmo que esses outros estão a segredar: o amor, o motivo maior para muitos medos, muitos vícios e virtudes; esse sentimento capaz de construir, mas também de destruir, e por isso tanto cuidado; esse sentimento ao qual todos estamos fadados, para nossa alegria ou tristeza; sentimento que move a vida, mas que pode acabar com ela. Sentimento que pode ser a sorte de um carinho praticado por ações e palavras todos os dias, mas que pode também ser um trauma, temido e impronunciável. Que pode ser o que cada um decidir sentir e falar. Que pode ser motivo para lágrimas de quem se vê inundado por um sentimento fortíssimo, mas também pode ser o sangue de um crime passional. É o que John Lennon insiste em dizer em praticamente tudo o que canta, mas também poder ser o amor a uma idéia, a uma obsessão, como foi para Hitler. É o que toda sabedoria tenta ensinar, com religiões, filosofias ou psicologias. É talvez o que torna o mundo o que é, pois se amor não é carinho e respeito, e assim se torna a doença, o pathós inerente a cada indivíduo, então a vida é repleta de destruição, como se cada um desses indivíduos estivesse praticando a morte, a loucura e a destruição. É como se a cada momento um Cristo estivesse sendo crucificado pela traição dos homens, que não souberam ouvir e guardar esse segredo, não souberam amar nem ao próximo, nem a si mesmos. É como se gestos e palavras de intolerância, preconceitos e violências, fossem espinhos a furar a carne de um Buda que busca se livrar de uma existência, que por todos esses motivos, é dor.
O que meu sonho me contou, e o que estes que considero sábios – pois vejo nas palavras destes essa que é a única sabedoria que considero: a paz –, estão a contar, é a necessidade de se amar e a necessidade que este seja um sentimento bom. Esse é o grande segredo, que ao meu modo, sempre tão precário, tento questionar e dizer. É isso que faço às lágrimas, aos suspiros, torto em meu canto, com os modestíssimos textos que escrevo: digo que a amo, que a alegria que me cabe é poder cuidar do amor de uma pessoa que me faz muito bem, de meus amigos, e de todo verdadeiro carinho que possa haver. E que isso é bom porque é a paz.
Viver é muito perigoso, amar é muito perigoso. E tudo é tão mais triste quando não se está a enfrentar esse perigo, buscando e fazendo por isso, com a coragem que precisamos para enfrentar todos os vícios e fraquezas, com a coragem para enfrentar o desafio desse segredo tão importante que, para mim, é a única coisa que realmente importa: o amor que é paz.
Em outras palavras: amo você, minha querida. Amo minha família e todos os meus queridíssimos amigos.
Sonhei que te amava: eis o segredo.

Bruno*

quinta-feira, junho 19, 2008

Desabafo de um (des)agregado

Mario, meu caro Mario
que não me conheces
E eu a si tampouco

Maldito sou, hoje
Pelas íssimas lindas-tristes
[memórias
Que deixaste fundo gravadas
No coração de minha senhoria

Foste dela um amante de sonhos
E de seus filhos mais pai
[que o próprio pai
E de sua casa firme guardião
[e zeloso conviva

Mario, meu caro Mario
Querido menino-homem
que não me conheces
E eu a si tampouco

Maldito sou, hoje
Que o olhar dela
Por vezes, ainda, revela
Quando pousa em mim e se queda
[a pensar em si
Como que na idéia fixa
De uma grande angústia.
Eu, que vim de longe
Me ensimesmar nas calmas
E replanear o tempo vindouro
Sou, num quase repente
Em casa de gente querida
Como que um sinal de mau agouro:
Potência de má influência
Indigna de boa acolhida

Que haverás de ter feito de si?
Quando de mim fizeste isso...

Duas semanas a eu mal sair de casa
Eram a depressão da sua vida toda;
Uma louça que eu lavasse duas vezes
Era o seu excesso de tempo ocioso;
Dois caminhos comigo ao volante
Era o seu cuidado com as companhias;
Dois dias a tomar eu sol no quintal
Eram três meses seus a não trabalhar;
Duas taças de vinho em meu sorriso
Eram todos os seus porres desmedidos;
Dois parágrafos que eu ler me permitisse
Eram todos os seus cigarros já fumados

Fosse eu, num dia de tristeza
Por saudades de casa ou mesmo dor
Chorar minhas fraquezas
[feito criancinha
E já eu seria você sem destreza
A uma lâmina em si mesmo pôr
E a deitar-se, débil
[num canto da cozinha

Não deixo, porém, de sentir-me espetado
Mas tenho de seguir, apesar de espantado
Com a estranha, ruim sensação de ser julgado
Menos por minhas próprias limitações
Muito mais pelas sobras de outro alguém.

Sabe, Mario, os dias aqui
[no parque de campismo
Têm sido quentes, belos e agradáveis
Leio sem ser você fumante
Bebo sem ser você desorientado
Tomo sol sem ser você vagabundo
Pedalo sem ser você paizão
Lavo minhas cuecas sem ser você bon-vivant
Medito sem ser você caso perdido.

As crianças vão bem, obrigado:
Grandes, sagazes e lindas
– Ou ao menos assim iam
[até poucos dias atrás

Teu passado grande amor, nem tanto
Que tem na cabeça os filhos biológicos
Mais uma adotiva, enferma
Mais dois machos em seus pés a mijar
Mais uma Academia de que se livrar
Mais eu
[agora menos
Que pra além de ser um produto
[cheio das próprias falhas
Vinha, ainda, com um rótulo
que ela somente enxergava
e onde, decidida, lia:

[Marião Flash Back
[Não consumir depois de 1984

Piadinha minha, meu caro Mario
Piadinha minha, desgraçada que só

Mario, meu caro Mario
O mar e o céu parecem um só
Nesse lindo fim de tarde
E nada há que eu possa fazer
Senão voltar pra minha humilde tenda
E sorrir as graças de mais um dia
de pós Mario [tendo sido
expulso da graduação.

Mas, uma vez mais
Me resta um bocado
desse desgraçado humor
De quem não se julga culpado
Mas aceitou da tortura a dor.
Se sou tolo
Não hei de saber
Senão que não sou você

Noves fora
És muito caro, meu caro Mario.


Algoz

quarta-feira, junho 11, 2008

Metáforas com bandeira vermelha

Quando já se nadou mais de mil metros em menos de meia hora, numa piscina semi-olímpica, e ouve-se, a cada toque na parede, um bem gritado “o descanso é pra lá!”, pode-se sem muito esforço pensar em transformar tal grito em lema de vida: uma motivação pra se continuar algo ou em algum caminho. Se o descanso é sempre pra lá, está-se sempre a batalhar.
Isso nos faz pensar…
…que quando se está a fazer alguma grande mudança, é comum que nos últimos dias antes do desfecho das coisas, ou mesmo – e ainda mais – nas últimas horas, se pense que o descanso, pra além de não ser uma opção, há de ser a recompensa por tantos e tamanhos esforços: e por tudo isso, as grandes mudanças podem nos ensinar: o descanso é pra lá.
Isso nos faz pensar…
…que a vida, esse eterno camaleão, mesmo quando se deixa reger por algum lema que a ela tentemos forçar, ainda assim pode nos mostrar muita ingratidão a esse tipo de obstinação: porque ela – faça-se a chuva no molhado! – é um mar profundo ao infinito, de que a maioria de nós não vê senão a linha d’água – quando vê. Salto na metáfora: quando levamos a vida sempre a buscar o descanso pra lá, e pra lá, e pra lá, estamos eventualmente a criar meios de nos afogarmos a nós próprios (porque ela mesma, a vida, nunca afoga: nem a nós nem a si mesma). Salto paralelo: quando levamos a vida a sempre e mais preparar grandes mudanças, e a cansar-nos preparando, e preparando, e preparando, estamos a fornir a possibilidade de uma frustrante (e cansativa e cansada) não-mudança, ou mesmo de uma eterna mudança que não saiba se livrar de passados – e de futuros, por que não? – que, pra além de eventualmente serem pesos mortos, ainda podem vir a nos fazer ter de livrar-nos de possibilidades mais importantes de nós, e de livrar-nos, e de livrar-nos.
Na piscina, como nos momentos decisivos de uma grande mudança, sim, o descanso é pra lá?... vá lá. Mas no mar, essa vida intangível e imprevisível, é preciso pensar… e saber-se vulnerável… e ser um bocadinho preguiçoso, às vezes… talvez.


Algoz

terça-feira, junho 10, 2008

Faroleiro

Havia meia dúzia de gajos praticando windsurf. Passava pouco das dezoito horas, e a eles mal se podia ver, pois que suas velas deslizavam exatamente sobre a faixa de mar que o reluzir do sol cobria. Fiz a mão em aba sobre os olhos, e consegui enfim fazer minha vista mais ao longe. Ao fundo, entre os surfistas veleiros e o horizonte, na linda faixa doirada de água, se mostrava o forte que até menos de década antes – dizem – ficava a uma caminhada rasa e segura – na maré baixa – daquela praia onde eu então chegava. E como o forte era visivelmente distante dali, me peguei a imaginar perigos e romantismos que aquela dita caminhada não teria proporcionado, por um exemplo apenas, a um rapaz apaixonado que, após tempos e distâncias de sua amada, a levasse ali pra molhar as canelas num passeio matinal e, tendo a certeza visual de maré baixa, resolvesse palpitantemente levá-la – no colo, caso fosse – ao distante e belo forte. Quiçá se deixassem quedar por lá, velando-se um ao outro, sempre que se cansassem de fazer amor, até que a maré voltasse a baixar, obrigando-os a tomar a triste-necessária decisão de regressar, quando é quase certo que quereriam por lá ficar, repetindo o processo eternamente, enquanto lhes durasse a eles a chama da paixão honesta de quem entrega ao outro não só o corpo, mas também os ponteiros do relógio da própria vida, enquanto a própria vida não tem porquê nem pra onde querer ir.
Mas mal começava a me prolongar em malícias, nas estórias que se estendiam entre o que minhas retinas enxergavam e o que meus neurônios cambalhotavam, daqueles amantes imaginários que meu pequeno coraçãozinho paria, quando vi, ao pé esquerdo de meus olhos, uma moça pertinho de mim.

***

Havia uma faixa doirada na água salgada. Fiz a mão em aba pra ver o que enxergava. E ao pé esquerdo de meus olhos, maior que as velas sobre o oiro d’água, uma moça sentada mirava sozinha o mar. Lembrava sem esforço aquela gostosura espivetada de mulher menina a quem eu quisera, quatro estações antes, dar colo e carinho. Usava óculos de sol largos e grandes, tinha os cabelos longos e pretos, e sentava-se abraçada aos joelhos, coberta por uma canga de tons alaranjados. E isso apenas bastou pra que eu me recordasse daqueles belos dias de praia que havia já quase um ano tínhamos compartilhado, dormindo carinhosamente abraçados um ao outro, naquela saudosa barraca azul.
Continuei caminhando, a moça-lembrança ficando pelo calcanhar esquerdo de meus olhos. Mais à frente avistei uma minha conhecida, a salva-vidas daquelas areias, menina-moça de sorriso bonito, com quem fui ter amenidades sob aquele sol de fim de tarde. Ela conversava com um seu amigo de profissão. Deixei aos pés deles minhas sandálias, e fui molhar os meus. Alguém diria que o vento frio levava minhas saudades pro mar, na direção das terras longínquas onde havia pouco eu me despedira dos meus mais queridos – ao que eu perguntaria se essas partículas de saudade chegariam a tão distantes destinos, tantos e tamanhos os fatores a lhes influenciar a navegação. Uma criança brincava sozinha naquela água gelada. Em duas semanas começaria o verão. Molhei também minhas mãos, como rito inconsciente de tentativa de alguma purificação, talvez.

***

Havia um cara solitário na areia da praia. Fazia já uma hora que estava ali, em silêncio quase completo, contemplando os próprios pensamentos, rodeados de areia e pessoas e água salgada.
Coisa de quinhentos metros de mim, a nordeste, um forte. Entre nós, meia dúzias de velas. E atrás do forte, acima do horizonte, um sol a pôr toda essa cena num doirado tão ofuscante quanto lindo. E tudo a oeste de mim era a praia toda, numa curva suave dos seus mais de trinta quilômetros de lonjura, que acabava num cabo que era uma imensa parede de mata fechada. Mas quando me virei pra ver isso tudo, descansando minha vista da reflexão, vi ali, a poucos metros de mim, uma moça. Ela estava se levantando e tinha nas mãos uma canga de tons alaranjados e usava uma bermuda de surfista e uma blusa de moletom branca de fecho-ecler. Ventava muito e seus longos cabelos pretos faziam par com o pano laranja numa dança simples e bonita. Começou a caminhar em minha direção. Senti lágrimas em meus olhos, que não saíram e viraram um sorriso resignado, de quem aceita até com certo contentamento os ardis do amor, esse camaleão que nunca se descolore. Três ou quatro passos depois, parou e olhou pra trás, como quem confere se nada esqueceu. Então eu vi sair do mar um gajo, a carregar sua prancha, e a caminhar na direção da charmosa moça. E os dois continuaram caminhando, na direção do cara só, que era eu.
Nisso chegou à praia outro casal, desses que são bonitos por caminharem lado a lado sem afetação, e por irem à praia num final de tarde, e por serem respeitadores do mútuo silêncio, e por se abraçarem como quem fecha a porta do lado de dentro, e qualquer canto onde se encosta é lar. Pararam a cinco ou seis passos de mim, e nisso éramos já quase apenas os três, que o dia beirava as vinte horas e quase todos se haviam ido – apesar da faixa doirada que ainda cegaria o forte pelo menos por uma hora mais –: as velas e a criança pecilotérmica inclusive.
Então o bonito casal silencioso se fez ao caminho. E eu, com minhas humildes saudades, fui também me indo em boa hora pra deixar o farol do forte render em paz o sol de mais uma sua longa jornada de quase-verão.


Algoz

sábado, junho 07, 2008

O Menino*

O menino do calendário. Que tinha o calendário do ano inteiro decorado, todos os feriados, qual dia cairia em tal dia da semana. Até de outros anos, passados para se lembrar, futuros para se esperar.
Assim era o menino do calendário.
Que era também o menino das correspondências. Sabia aonde ficava praticamente todas as caixas de correio de sua cidade, quanto custava cada selo e de quantos seriam necessários para mandar suas cartinhas; quanto tempo estas deveriam demorar para chegar ao seu destino. Sabia até que por lei - provavelmente um resquício da era pré-telefônica e digital, um trauma da ditadura, talvez - era proibido a violação de cartas por outra pessoa que não fosse o destinatário desta. (Nunca procurou conferir a autenticidade desta lei, que ouvira de alguém, pois esta já estava suficientemente aprovada por seus inquestionáveis direitos de intimidade e sentimento de ragazzo enamorado sujeito às penúrias de um relacionamento à distância.) Sabia também os horários em que o carteiro deveria passar todos os dias; e que suplício, que felicidade, era aguardar uma missiva de amor, desse que em seus idos tempos de glória era um verdadeiro Hermes a agraciar aquele apaixonado rapaz com as dádivas de Eros.
Se naqueles tempos fosse conhecedor dos clássicos da música dedicados ao coito nessa sofrida condição, consolaria-se ao som de Mr. Postman, e com certeza faria desta um hino, ao qual todos os frios e desiludidos mais velhos deveriam mostrar respeito.
O tempo passou e o menino do calendário, que também era o menino das correspondências, cresceu, conheceu os motivos da frieza e desilusão dos mais velhos - chegou a desistir de corresponder-se, por desacreditar dessa possibilidade de comunicação -, mudou de endereços, de destinatários, virou moço, e há de virar homem e velho; e estes haverão de ser sempre os filhos daquele menino, que decorava os dias e esperava por correspondências.


Bruno*

quinta-feira, maio 29, 2008

Estranhas Religiões*

Pois nessas regiões, o messias cristão é outro. Um tal de Gesus, anunciado em faixas pela rua principal da cidade. Provavelmente esse messias não se importa que seu rebanho leve a vida ao som das mais belas pornofonias - as crianças pulando e cantando -, que seus homens estejam sempre acompanhados de uma boa lata de aguardente, ou negociando terras e mais terras de paraíso.
Também a vertente evangélica dessas regiões é bastante peculiar. Dia desses, outra faixa, no centro da cidade, anunciava: "DIAS X, Y, Z, A PRIMEIRA GRANDE CRUZA. EVANGÉLICA DE..." Isso me afetou a imaginação de tal forma; fiquei a conceber um enorme grupo de evangélicos libertinos em uma grande e entusiasmada orgia em praça pública! Infeliz abreviação; suprimindo o -DA, de CRUZADA, tranformaram um ato de fé comunitário em um enorme cabaré a céu aberto. Normal.
São religiões muito animadas, é verdade. Como o povo dessas regiões. Povo devoto, que improvisa a fé do jeito que dá. Outro dia desses, acordei assustado com os urros de um pastor que tinha fundado sua igreja itinerante ali mesmo, no quintalzão de terra daquelas casas, e cantava, e urrava ainda mais alto para as pessoas que passavam indiferentes, ou se rindo, na rua. Não considerei esse um desrespeito ao meu espaço privado; achei interessantíssmo.
Eu mesmo fico imaginando uma desas religiões estranhas pra mim. Não uma que necessitasse de fantasias e temesse Darth Vader. Quem sabe uma que se baseasse na literatura, filosofia, ou nos ensinamentos dos Beatles - já não disseram que John Lennon queria ser deus? Pois então.
Mas, felizmente, nasci muito preguiçoso, sem ânimos para me dedicar às verdades de qualquer uma delas. Todas muito interessantes, sem dúvida, cheias de sabedoria, muito iluminantes. Que elas então abençõem, aos urros de uma dionisíaca e fervorosíssima possessão, ou ao som de "All we need is love", a preguiça de um bicho inofensivo e quieto.


Bruno*

segunda-feira, maio 26, 2008

Heroísmo*

Sou um herói romântico. Sinto, do alto do topo de um castelo medieval inglês - a capa esvoaçante... -, a profunda, verdadeira e exacerbada força de um amor! Sim, um amor! Sim, uma tão meiga e formosa dama, disposta a por mim buscar e esperar! Ah, mas que fortuna a minha, depois de tanto vagar e penar, solitário - montado em meu ginete branco -, pelas longas distâncias de toda sorte de intempéries do tempo e do desamor entre confusos corações, encontrar a graça de alguém que não teme a volúpia de minhas honestas vontades, de minhas singelas palavras. Esse alguém capaz de sensibilizar-se por minha simplória, discreta - e sofrida - pessoa. Esse alguém capaz de reconhecer e corresponder esse sentimento que me deixa suspenso e suspirante de alegria!
Não, não sou um herói romântico. Amo humildimente, como quem teve coragem para tratar de suas próprias e terríveis cicatrizes. Amo sobriamente, como quem teve paciência para enfrentar a resignação de uma paixão educada na fria realidade; a paciência de esperar sem esperança. Amo tranquilamente, pois tenho a felicidade de um sentimento correspondido por sua natureza simples, de um imenso bem-querer. Amo com a honestidade do corpo as carinhosas e serenas idéias que faço por quem sinto esse enorme carinho - simplesmente.


Bruno*

sábado, maio 24, 2008

Cebolas*

Para tudo o que se faça, arroz, feijão, molho ou mistura: cebola, bastante cebola, bem picadinha - o cheiro de cebola na mão, esse tipo de dignidade pertencente aos trabalhos do lar - e alho, outra maravilha. (Se deus cozinha, com certeza usa muita cebola e alho, disso tenho certeza: são temperos de deus.) E então, fritando na frigideira, aquele cheiro bom subindo, aquele douradinho... E então a gente vai cozinhando, prepara o arroz - colorido, com cenoura e vagem ou pimentão, em cubinhos -, a salada de alface e tomate, com sal e limão.
Cozinhar não é uma ciência exata, sempre soube; tudo pode acontecer, desandar, se perder. É preciso muita atenção, quem é prendado sabe. Por isso é bom ter cuidado com o estado de ânimo com o qual se cozinha. Muita paixão pode adoçar ou salgar demais. Pouca paixão pode insossar tudo. Bom mesmo é a medida das coisas: cozinhar por estar sozinho e dispor de tempo para si, por ter qualquer tranquilidade nessa vida de pequenos tumultos, por sentir saudade, e imaginar que se cozinha um banquete para amigos, ou um jantar para a doce companhia de uma formosa moça que se espera: temperos, sabores, como um necessário toque de orégano.
Pois eu falava de cebolas e assim concluo: que as lágrimas sejam dignas; que sejam de saudade ou de cebolas, mas que o aroma delas desperte algum prazer em nossa memória - no paladar de nossa imaginação.


Bruno*

sexta-feira, maio 16, 2008

Cabra Homem*

Dizem os especialistas em linguagem que o homem não seria possível sem que se comunicasse e significasse através da magnífica e simples complexidade de uma língua; o que permite atribuir ao esplêndido homus erectus a nobre qualidade de humano, este capaz de alcançar elevadíssimos sentimentos e realizar importantíssimos empreendimentos.
Uma das características que tornam possíveis tais singulares e fabulosos feitos, segundo os especialistas, é a maneira como a linguagem se estrutura, valendo-se de duas articulações fundamentais: a de distinguir uma partícula sonora de outras, como um "p" de um "b", por exemplo, e agregá-las a outras de forma a constituir um singnificado, "pobre"; e uma segunda que articula a diversidade de significações possíveis a formas restritas, como o infinitivo de um verbo "-ar", que ao mesmo tempo pode ser o "ar", da palavra que respiramos.
Pois eu estaria discordando dessa incrível e supostamente única qualidade, que distingue o homem do animal, o qual tem sua linguagem limitada a pouquíssimos elementos, como "alimento, cópula, localização"; uma abelhinha não pode com seus zunidos dizer a seu parceiro que o ama, ou que as flores daquela tarde de primavera a fizeram lembrar do sabor de um mel colhido há tempos atrás – triste condição de inseto, pensarão os de bom coração – como não poder amar e lembrar?
Mas, afinal, o que tem o homem de tão diverso, necessário e sublime para significar? Por mais que me esforce para ouvir, expressar, conhecer, não consigo encontrar mais do que um vasto – sem dúvida –, mas numerável repertório de palavras e modos de falar para uma meia dúzia de conceitos que vão sendo atualizados e contextualizados ao longo do tempo e do espaço. Tenho mesmo a audácia de dizer – mas não sem algum respaldo de preguiçosamente ter tido contato com algumas reflexões, modernas ou antiquíssimas, do oriente ao ocidente, sobre o que e como é ser esse ente formidável, humano –, que toda discussão mais profunda, e o sentimento mais visceral, podem ser reduzidos, sintetizados, em alguns poucos e grandes conceitos, orientados de acordo com algum ponto de vista: amor-vontade-desejo, morte-impermanência-religião, et coetera...
Por isso acho tão encantadora a conversa das cabras que pastam no terreno atrás de onde moro. Não estarão elas a dizer e considerar as mesmas coisas que nós? Em linguagem de cabra, devem estar a questionar: "Paixão é novidade antiga?", no que eu consinto: "É..."; "Ali tem mais capim", "É..."; "Aquele bode com um chifre só, esquerdo, é o diabo", "É..."; "A Grande Cabra há de nos guiar e salvar!", "É..."; "Ó, como amo, para todo o sempre, a mais bela e alva das cabritas!", "É..."
Muito provavelmente é também devido a toda essa cabritagem que acabo de especular que costumo pouco me espantar com a variedade do gênero dos homens, vindos das mais distantes e inusitadas culturas do globo, que vêm me contar seus causos e histórias, assuntos urgentes, de sujeitos satisfeitos e possuidores de uma alma que os tornam todos muito especiais.
"É..."


Bruno*

quarta-feira, maio 14, 2008

De uma partida

Quando uma grande partida chega quase de repente, algumas coisas se fazem – proporcionalmente às questões temporais, e com justiça – maiores...
Aquela pessoa tão querida que ignora a sua irradiante – levemente triste, porém – necessidade de dividir com ela as repentinas novas da partida... Sim, aquela pessoa tão querida... Assim ignorando – antes ouvisse e fizesse pouco caso! –, assim ignorando esse honesto e carinhoso e singular dividir de certos sagrados detalhes desse novo rumo de vida que se faz à porta... Assim ignorando o tamanho das coisas, essa tão querida pessoa se torna uma triste resignação na memória das práticas sentimentais da vida.
Aqueles livros que causam tanta curiosidade, alguns pelos títulos que lhes fizeram retumbar sonoros, outros pelos autores que consagraram, um pelo amigo que leu e recomendou, outro pela leitura já uma ou outra vez feita, ou pelo carinho com que foi recebido, ou ainda pela história geográfica por que passou, outro pelas mãos que já o leram pelos caminhos do mundo ao longo do tempo. Todos aqueles livros, quando uma grande partida chega, se fazem um sinal de certa imprudência – pra não dizer imbecilidade –, pra quem os olha e pensa “onde a vida acontecia que esse livro não foi aberto, que aquele não foi folheado, que aquele outro nunca foi lido?”
E, acima de todo o desinteresse de alguém querido, e acima de todo o suposto conhecimento não absorvido pelas leituras não feitas de tantos livros... Acima de todas essas coisas tristemente transformadas em práticas quotidianas (não ou mal resolvidas)... Acima de tudo isso, quando das vésperas de uma grande partida, há aquela moça tão bonita e atraente que, pra além de não saber o tamanho das coisas todas, ainda deixa um suspiro agridoce por nunca ter sido sequer tocada... por alguém que parte cheio da maior e mais resignada vontade de fazer dela uma leitura bem feita. De um capítulo apenas, ou de um parágrafo. Quiçá de uma só linha, ou de apenas uma palavra. Mas uma leitura bem feita que fosse, dessa única palavra que fosse. E ela seria uma interjeição sorridente.


Algoz

Ironicamente*

Amigo,

"Com sorte"
Talvez
Uma semente
Eu tenha plantado

Ao acaso,
Despretensioso

Ela pode não brotar
- O que é da natureza -

Mas eu a contemplo, assim
Perecível
Em seu encanto de flor
Que nem ao menos floresceu

Pois adoro o que perece
Não me engano

Sei do que nunca será
Por isso
Basta que seja
E me seduza
Enquanto vejo
Acontecendo

Misturo flores
Mortes, amores
Sempre
Ironicamente

Amigo,

A beleza nos comove
A beleza
Quase violência

O olhar
Apenas
Chamas

Amigo,

São flores,
Mortes, amores
Ironicamente

Violência e beleza

Amigo,

Chega de ironia
- Força há é no olhar -


Bruno*

terça-feira, maio 13, 2008

Trânsito*

Em um jornal da manhã passava uma matéria sobre o trânsito de São Paulo – imagens aéreas, o mar de edifícios, frio, céu fechado. Senti tanta saudade. Sim, é absurdo ter afeto por uma coisa dessas, que só atrapalha a vida do cidadão citadino. Mas a distância permitiu a mim, cidadão longínquo, que sentisse um verdadeiro afeto pelo tráfego mais do que intenso daquelas ruas e lugares pelos quais um dia já estive eu, fatigado e triste por estar preso em congestionamentos, de pé, no ônibus, com outras centenas de pessoas me fazendo uma desconfortável companhia, ou assistindo pela janela – sempre sonolento – a correria do mundo lá fora, cinza e nublado, como muitas vezes estava o tempo do sujeito que olhava cansado do outro lado da janela.
Eu tomava café enquanto assistia ao programa, e sorria - aqueles lugares.
Café foi um gosto que aprendi com minha vó, mas que cultivei com empenho e seriedade em São Paulo. De manhã, no intervalo do almoço, de noite, para aguentar o trabalho e as aulas da faculdade; com chocolate ou cigarro. Bebida amável, e necessária.
Mas, além do café, o paulista também precisa de outras coisas. Pizza, por exemplo. Refeição do cotidiano, bem ajustada à cidade. Ruas. No meio de tão enormes proporções, falar de ruas, localizar-se, também faz parte da cultura de um paulistano. Torna-se um hábito, uma linguagem: subir a Teodoro, que é paralela com a Cardeal – a Capote e Oscar Freire cruzam a Cardeal –, passando pelas Clínicas, Dr. Arnaldo, (saudoso bairro de Pinheiros; bairro no qual desejei morar quando fosse adulto) chegando na Paulista – avenida cheia de vida, atarefada, muitos eventos –, ou seguindo pela Consolação, a Sé – imponente. São tantos caminhos... E trânsitos. A Marginal, Rebouças, Vergueiro, Francisco Morato, não faltam via crucis, das quais me lembro com essa saudade de um caiçara, emigrante litorâneo, que durante algum tempo foi acolhido com a violenta generosidade da tumultuada e apaixonante capital.


Bruno*

segunda-feira, maio 12, 2008

Fim dos tempos

Esplosão total transcedental
Destruição fenomenal
Arco íris reluzente
Furacão verde consciente

Um brilho eterno está surgindo em mim
Irradiar a luz na sombra sim

Você vai me olhar e você vai ver que no fim eu sou você

Romper com luz seus corações
Iluminar até o pó
Desentegrar a escuridão
Vislumbrar a transformação

Estou sentindo esta energia aqui
Estou sentindo energia fluir

Desentegrar a última tensão
Desentegrar a última tensão

Eu sou luz



Siscão

Animal

Não vou negar aquilo que me foi enviado
Não vou privar a vida de florescer

Olhar aquilo, parece tão bonito

Ao meu ver

Vou viver

Dor me soa tão real
Sou um animal sem vida, eu sou

Só me sobrou, apenas uma pata para eu correr em vão
Olhar no olhar, vejo que sou a verdade, que sou eu



Siscão

sexta-feira, maio 09, 2008

Final de Tarde*

Triste condição essa, depender de palavras
Para comunicar, sentir

Viver uma saudade
É bom para o corpo,
Mas tão difícil, quando estar junto
Só é possível quando se diz:
Tenho saudades...

É final de tarde
Também para minha euforia
E é sempre assim
Finais de tarde
E saudades

Porque o dia começa com sol
E então toda lembrança
É a alegria de um próximo encontro

Mas quando o sol se vai
Eu também me vou
Deixando anoitecer
Já em vontade de dormir
Descansado
- Em horas de assombrosa vontade,
Soma.

Final de tarde
E palavrinhas
Para ter você sempre por perto


Bruno*

quarta-feira, maio 07, 2008

De um pouco de um grande carinho

Poucos terão tido, na vida, alguém em quem pensar com um carinho tão grande que se anule: em passos que não se encontram – como coreografia nunca antes ensaiada e, ainda assim, sempre executada com aleatória perfeição –, apesar do teto compartilhado. Sem precisar sequer de um sorriso, ou mesmo de um olhar. Um carinho tão grande que mesmo na ausência de tais passos comungados, ainda assim é o carinho daqueles passos. Poucos terão tido, na vida, alguém em quem pensar com um carinho tão grande que se transforme: num olhar que se direciona pra nada – sem ser perdido –, com um sorriso resignadamente honesto, quando tais passos, então invisíveis na prática dos dias, por estarem sendo dados alhures – quiçá muito, muito longe –, ainda assim poderão ser sentidos – como presença, dentro daquele mesmo teto onde antes como que levitavam –, por esses poucos que terão tido, na vida, alguém em quem pensar com um carinho tão grande...


Algoz

terça-feira, maio 06, 2008

Homenagem a um irmão

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
em prateleiras de mel que escorrem para quem amamos
e de dentro das sedas que lambem os livros respiras tu
em eternos sopros de dádiva e saber
em cascos húmidos de humanidade

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
com livros livres de lombadas e paginação
perto das memórias intemporais do amor
em que se cedem cópulas alquímicas e misteriosas

sei que algures dentro de nós existe uma biblioteca
em que se a cuidas, casa-alma, dita-la para mim
e o graal surge, em forma de beijo
imponente, cristalino, honesto e unicelular

(são as salivas dos livros que não li e me mostras
os desejos de sorver o palato da tua biblioteca)

e sem falar mais de livros,

falemos de amor…

aquele tabu em que se diz nada se poder definir

pois eu defino o que sinto na saliva das palavras - simbiose comunicacional - que o amor sou eu
em forma de nós
como um copo de mar sem peixe
como um copo de mar com peixe
como mares sem ou com copos

porque o graal eu descobri
é seda preta e distinta, no recolher sóbrio dos teus medos
na conversão una das tuas expectativas e desejos

ensejo então fundir
abraçar a morte física como gás que respiras

porque posso

porque sim

porque quero

- lembra-te que sou alquimista –

e da distância faço a cama de lavado
e dos ossos obtenho abraços
e de todas as bibliotecas de todas as existências em todos os mundos manda o amor

e o amor sou eu

e eu apanho a natureza no coração com uma rede indestrutível
e sôfrego toco-te um dedo
o dedo sensível com que intuis as coisas do mundo de todos os mundos

e se há mundos que desconheces, eu - alquimista-bibliotecário -
dilacero o peito

rasgo-me ao meio

sou um corpo-casa da alma-biblioteca

lê o que quiseres


tirem-te o pão,
tirem-te membros,
tirem-te alegria,
tirem-te o que amas, tirem-te a luz
e a esperança, tirem-te o riso e aquilo a que chamas de vida,
tirem-te. a ti.

façam o que fizerem, tirem-te o que te tirarem,
nada disso conta
pois vens a meu peito aberto e lês o que quiseres



e se nada nessas palavras te afagam
encosta o teu rosto ao sangue quente do meu peito
e segredar-te-ei que te amo

que tu és tu

e que és quem amo

livro de mim

livro de ti


livres em nós,
no amor universal



Miguel Barroso

Necessário

Amo...


Siscão

segunda-feira, maio 05, 2008

Manteiga*

Sei que não é nada poético – tampouco prudente ou relevante – dizer isso, mas já chorei assistindo Bob Esponja. Mesmo se tratando de um desenho, basta uma cena com um pouco mais de "carga emocional" para me comover às lágrimas. Nos besteiróis americanos da sessão da tarde, era muito comum que eu precipitasse minha compaixão pelo padecimento dos rejeitados e/ou excluídos...
Sou uma manteiga derretida.
Choro quando vejo coisas tristes; pessoas se destruindo, destruindo coisas – intolerâncias...
Choro quando vejo coisas bonitas; flores e naturezas, palavras em livros, bonitezas dos dia-a-dia – bobagens...
Mas também por coisas sérias; pelo absurdo carinho de meus amigos, por saudades e vazios.
E por isso choro (baixinho) por acordar ao seu lado; por te ver linda e distraída, repousando em sua comovente e inebriante languidez...
Choro porque sinto.

Dizem que faz bem pra saúde.


Bruno*

quarta-feira, abril 30, 2008

Reino*

Meu reino por um colo
No silêncio mais profundo...
De uma companhia, idéia
Que nos guia, distraídos
Sem pensar, sem importar
O que parece motivo
Quando é só aqui
O passar desse estar
Tão amoado, amoadinho
No corriqueiro
Carente, quase azul
- A música tocando
Ao som da chuva -
Trabalhando preocupações
Rogando ao tempo
Que não haja futuro
O presente é a morte!
E não o receio
Imaginado e sofrido
Como um reino de bobagens...


Bruno*

terça-feira, abril 29, 2008

Questões

Minhas questões não tem resposta...por isso são desnecessárias