Confraternização

(Na geladeira)

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

A Caça do Polvo*

O correto seria dizer "porvo"; ou "poivo". Pois este escondia-se debaixo dos parrachos, que são um tipo de formação de recifes.
Um com pedra, outro com ponta de ferro e mais dois caçoando, os pescadores tentavam em vão encontrar o bicho para juntá-lo a seu amigo, que jazia morto em uma lança. Desistiram do astuto, mas continuaram a busca.
Confesso que dos seres que habitam o mar, o polvo desperta-me pouco afeto. Por outro lado, seria eu capaz de tecer uma verdadeira ode ao magnífico camarão. Não obstante minha empatia para com o pobre molusco, resolvi seguir o grupo, de perto, quase longe; contente por participar, ainda que indiretamente, deste evento tão natural, e para mim, tão belo quanto inusitado. E enquanto o fazia, nutria comigo o sonho de avistar um polvo; imaginava a glória de indicá-lo aos pescadores e assim ser promovido à posição de ajudante de caçador de polvo, ao invés de reles observador. O que não aconteceu.
Espectadores que assistiam à passagem da caravana declararam que polvo fica uma delícia com arroz e brócolis; porém, nesse dia, os polvos pareciam não conformarem-se com tal destino e permaneceram bem escondidos nos parrachos.
Algum tempo depois, parte do grupo desistiu, parte insistiu um pouco mais na peleja – acredito que sem sucesso.
Abandonei a expedição e prossegui minha caminhada ao sabor de uma brisa, contente com a breve aventura e com planos de investir em outras do gênero.
Almocei camarão.

Bruno*

Contra Gripe e Resfriado*

Acorde cedo. Crie coragem se for preciso, e vá à praia.
Ande no seu ritmo, beirando a água, e sinta o calor do sol; se quiseres, faça uma corrida leve – mas, lembre-se que correr é uma atividade física, e não um meio de se obter as coisas.
Ao equilibrar-se nas pedras que surgirão no caminho, seja prudente e firme bem os pés; essa prática é rica em disposição e lhe proporcionará o gosto da aventura.
Procure cores intensas, do céu celeste, ou do verde selva.
Quando encontrares um lugar, sente-se e mire o mar; concentre-se para que avistes o encanto de um golfinho – mamífero fugaz, como as mulheres.
Pense pouco – o suficiente, no máximo, para preencher uma página de amenidades - e ouça o barulho do mar. Ele nada lhe dirá, mas seu ir e vir lhe trará um alívio para os males da influenza.
Se este procedimento não surtir efeito, procure um médico. Este tratamento à base de natureza é mais indicado nos casos em que as indisposições de nossa saúde são de ordem subjetiva.

Bruno*

Estrelícia

para Nina

Eu poderia, em silêncio, homenageá-la
Sorrindo, tranqüilo, um nosso encontro.
(E dizer qualquer coisa é, de fato, diminuir
[o que dela brota, pro mundo, indizível)

Como fosse mãe que ama sem chorar por retorno
Fosse pai que estimula sem gritar resultados
Fosse irmão que aconselha sem vaidade
Filho que corre o mundo mas sempre volta
Amor que não pede por exclusividade
Amigo que consola só com silêncio

Como fosse tudo isso
[Possível,
Ela simplesmente é.
[E ainda mais e mais e além.

Então eu poderia, em silêncio, homenageá-la
Sorrindo, sozinho, um pássaro que passasse.

Mas escrevo essas palavrinhas
Como quem dá flores.


Algoz

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

De um pouco de morte

Há de se pensar a morte – a natural, sim – com bons olhos – pra quem a pense como fim incontornável, claramente. Como algo belo. Enquanto a vida nos obriga a viver nesse mar indeciso e revolto de coisas cheias de juízo de valor: bem e mal, principalmente; a morte – assim pensada – nos permite a sublimação deles. O certo e o errado fazem mal à saúde – principalmente à mental. E se devem ou não ser eliminados por vontade de nosso ego, hão de ser – irremediavelmente – pela própria vida, quando esta se finda – certa e quase sempre não quista e não aceita, apesar de tal obviedade ser mais óbvia do que a mais simples das equações matemáticas.


Algoz

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Do valor das coisas

Era um desses feriados prolongados em que a cidade grande fica transitável e mesmo alguma agitação não impede um cidadão tranqüilo de se acotovelar pacificamente com seus pares em uma praça qualquer pra ouvir um bom chorinho ao sabor de um bolinho de bacalhau com cerveja.
Era uma moça de carnes vistosas em vestes incautas que procurava boa visão da música quando aqueles olhos a encontraram. Acabou por encontrar assento à direita deles, que a cobiçavam. Comprou uma cerveja. Pediu um cigarro, pediu o isqueiro. Fez silêncio. Pegou a segunda cerveja, o chorinho acabou. Aceitou mais um cigarro, o assunto começou. Meia hora de amenidades e gracejos depois, aceitou o que recusara no quinto dos minutos de conversa: deixar a praça por um bar duas ruas acima.
Era um bar de esquina bem pequeno e quase sujo em que uma moça tomava, na companhia de sua prima e de uma amiga, uma cerveja. Aqueles olhos atentos sobem a rua com sua recém conhecida cobiçada cabrocha. Chegam ao bar, cumprimentam uma amiga, cumprimentam a outra. A prima se apresenta, cumprimenta, muito prazer. Mas sua estada na mesa não dura duas garrafas: já a moça da praça se quer ir embora; já a mesa volta a ter apenas três mulheres; já as ruas se fazem caminho; já alguma palavra se faz convite; já uma porta se abre; já outra porta se abre; já cheiros viram paladar; já o dia amanhece; já as ruas se fazem outro caminho; já um sorriso maroto se faz à cama solitária de um cidadão tranqüilo.
Era um desses dias seguintes em que se tenta realizar algum feito que a falta de onipresença não permitiu no dia anterior. Há uma prima de amiga que se deseja, mas os obstáculos são alguns, e a impressão de reciprocidade é bastante leve, o suficiente pra não se arriscar com ímpeto ao intento. Toca o telefone num apartamento. Uma voz lânguida o atende e diz que não sabe se a prima vem. Acendem-se dois cigarros. Toca o telefone numa casa. Uma voz animada diz que vai. Um terceiro cigarro é aceso. Toca de volta o primeiro telefone. Uma voz tranqüila ouve que a prima vem; que então vão comer pra depois pensar no que fazer.
Era um apartamento de quarto e sala em que uma moça assistia, um tanto frustrada e amuada, seu amigo e sua prima se encostando escorregadiamente com a ajuda ardilosa da tequila. Retira-se e deita seu corpo desacompanhado na fria cama. E o calor que se faz no sofá não tarda a fazer os outros dois irem-se embora.
Era uma casa um tanto afastada, aconchegante e espaçosa, onde a chama recém acesa daqueles dois corpos se consumiu. Acordam com o sol ainda baixo, brincam um pouco mais na cama. Adormecem uma vez mais. Acordam novamente com o sol a já não fazer sombra. Com algum esforço, levantam-se. Vão tomar café da manhã, apesar de ser já hora de almoço. Conversam amenidades sem pressa, um rindo dos comportamentos do outro. A hora passa amena, já estão tomando uma cerveja, duas, três. Vão ao mercado comprar mais. Voltam. A espera pelo gelar da cerveja pede a cama. Então já é noite feita, as cervejas voltam a fazer palavras e sorrisos. Não, não há o despertar que quando acontece nos faz sonâmbulos. Mas há esse sossego desocupado do relógio do mundo.
Era uma mensagem de texto de telefone celular vinda de longe, com o carinhoso e despretensioso compartilhar de que Olinda era uma cidade merecedora de retorno. E a imagem de mesa vazia com garrafa e dois copos saltou aos pensamentos, e aquele aparelho de telefone se fazia sentir o tijolo doloroso que faltava à completitude de uma ponte sem a qual os caminhos faziam menos sentido. E, por alguns instantes, aquele quintal gostoso e aquela cerveja gelada e aquela mulher fogosa se quedaram numa zona de abstração e desimportância que só se desfez ao som de uma palavra qualquer incompreendida que a mulher disse, fazendo as coisas voltarem à quase normalidade de antes.
Era um sorriso leve em que um par de palavras escritas pintou um par de lágrimas com que a realidade fez borrando um sorriso amarelo.


Algoz