Confraternização

(Na geladeira)

segunda-feira, outubro 13, 2008

Idílio*

Eu lhe dou minhas prendas
A gente dorme ouvindo o mar
Vou lavando e varrendo
E cantando, no diário

Faz sol na sala
No quintal lá fora
Nosso lar, verde lar

A gente brinca de cabana
Se cozinhar nos faz tão bem

A luz do dia,
O passeio na praia

De manhã logo cedo
Tem você acordando
Tem café da manhã

Tem o miquinho
Pulando na árvore
Fazendo sorriso

Depois vêm o almoço e a janta
E o dia seguinte

Mas nossa vida é agora
Com a paz possível
E você do meu lado


Bruno*

Formigas*

São invencíveis as formigas.

Sustentam os maiores pesos,
Suportam os maiores impactos.

Morrem infinitamente,
Permanece a formiga.

Facilmente extermináveis
- E indestrutíveis.

Heróis de fábulas,
Simbolo da insignificância
- E insistência da vida.

Devoram - pequenas.
Devoram - apenas.

Passam levando folhas imensas
(Força obstinada, inconsciente)
Olhamos: somos tristes deuses de formiga.

Formigas, formigas são.

Inseto admirável:
A formiga é a vida!


Bruno*

quinta-feira, outubro 09, 2008

Mea-culpa

Eu, que sou apenas mais um doente,
De tantos relacionamentos tortos,
Mal criados, mal fornidos, mal vividos,
Mal acabados, enfim.

Chega de coração, de mente, de alma.
Chega de braços pegajosos, brutos.
Chega de narinas e ouvidos apurados.
(Psicótica e estupidamente apurados)
Chega de olhos possuídos
[da mesma estupidez.
Chega do fogo egoísta da paixão assassina.

Quero agora amar com a minha pele, e só.

Sim, meus braços são hematomas
e minhas pernas cicatrizes.
Minhas mãos queimaduras, dos cigarros
[dormidos pela desistência consciente e triste
[das discussões impostas e inúteis.
Sim, meus pés são duros, feios e calejados
[pela aridez desse caminhar abandonado.
Desse caminhar que nauseabundamente
[se cansou
[de corações e de cabeças e de almas
E de tudo que acaba mal, sempre.

Sim, minha pele é tão doente quanto meu coração.

Mas decidi que quero amar só com a pele.
Decidi acreditar que vou amar só com ela.
Pronto, amo com minha pele, ela é grande.
Na minha pele cabe muito amor.
Cabem as joaninhas e as abelhas
Cabem a chuva e o vento e o oceano inteiro.
E cabe também cada gota de cada poro
de cada centímetro de cada curva da pele
Daquela mulher que nem pensa na minha pele.
Como minha pele ama a pele daquela mulher!
E sigo assim, em frente, quase impávido.
Sou possessivo apenas com meu sangue.
E não tenho saudades nem do meu suor.

Eu queria que isso fosse um poema.
E que todas as noites, bem baixinho,
eu o dissesse e algum deus me ouvisse
[e talvez comigo conversasse.
Mas não confiando nesse suposto poema
(que ele não deve querer dizer coisa alguma),
Todas as noites em silêncio me dispo
E por breves intensos momentos eu sinto
[a compreensão, de algum deus eriçado,
Da oração que é meu banho gelado.


Algoz

segunda-feira, outubro 06, 2008

Paralisa

carta

Alhures, treze do nove de dois mil e oito

Cabeção,

A culpa é sua: tanta faniquitice pra fechar negócios, pra dar ordens, pra mandar e depois fazer sozinha; e na hora de se mandar de férias não cuidou da própria viagem, na desordem da sua vida particular, a ponto de não ter aberto o passaporte senão na hora do embarque, pra descobrir a validade vencida. Sim, a culpa é sua.
A culpa é sua, mas antes que eu continue com a reclamação, digo que sei que esse (des)embarque foi um dos pontos altos desse processo de desfaniquitização por que você vem passando. E, no que a própria viagem se baste como argumento, foi pra bem que ela tenha acabado começando na primavera - você e eu sabemos que esse dezembro fez jus à estação. Aliás, qual foi mesmo o mês da sua viagem? Me escapa, agora... Aliás, apesar desse parágrafo de reconhecimento do bem que veio dos males, a culpa é sua.
A culpa é sua, por ter me feito perder o que sequer ganhei (apesar de tudo que ganhei, e que não foi - nunca é - pouco). Sabe aquele cara que você conhece e... (é claro que você não sabe, mulher com essa anedota de sexto sentido não entende um sexto disso.) Enfim... Às vezes, é raro, mas acontece... às vezes acontece, numa mesa de bar, em qualquer lugar... de um cara saber, só de olhar, que outro cara seria um puta camarada. E, com mais um bocado de sorte, o tal feeling se faz realidade. Com o seu Jagor foi assim, você sabe... ele era colega de um colega, os dois conversavam, encostados numa mureta da vida, quando eu cheguei... o colega em comum foi embora, e quinze minutos depois nós já tínhamos montado uma banda, sido varridos de uma dúzia de bares, azucrinado e feito sorrir e gargalhar todos os nossos amigos (você inclusive!)... aquele merdinha me deu até uma namorada de um ano de bonança e mais um de tempestade (e ainda se gaba disso até hoje...!)... e tudo isso porque ali, naquele papo de música e mulher (eu ia pelo quarto ano, ele ia pelo quinto, e nenhum de nós se lembra sequer de ter visto o outro antes desse dia), ali, em dez minutos de conversa, essa magia aconteceu e se fez fato. Ah!, lembrando que com o seu Bobildo também foi assim. Causa dita, voltemos à culpa, que ela é sua.
A culpa é sua, por ter dado à imaginação da minha intuição um amigo que já não posso ter. Pronto, eu explico (passava da hora, não?): se você tivesse visto o passaporte, e assim viajado quando era pra ter sido, não teria conhecido aquele viajado escritor. Donde, não teria me perguntado se eu o conhecia. Donde, eu não teria por ele procurado, não o teria encontrado, não teria gostado do blogue dele, a ponto de devorá-lo a ponto de me deparar com um vídeo. Era um cara cabeludo, com uma faixa branca na cabeça. Cliquei. E a química foi tamanha, que ao final dos quase três minutos de discurso eu já tinha memorizado o discurso quase todo, voz e entonação e trejeitos. Meus braços estavam arrepiados, meus olhos marejados. Assim, sem qualquer explicação possível ou plausível, mesmo pra mim mesmo, que sentia a magia e não tinha como nem com quem dividir. E a magia era: eu era brindado com um amigo. Um amigo do bão. Desses que a família se calhar nunca conheceu, que as namoradas todas odiaram (a namorada que gostasse de um amigo assim... não, não há divindade tão bacana assim...), e de quem outros amigos por vezes sentiram ciúmes. Desses com quem a gente conversa até sobre mecânica quântica, até as luzes do bar se apagarem, até as portas dos olhos se fecharem. O discurso dele era simples, vai, não vou dizer que não... ele falava sobre questões lingüísticas (pra resumir toscamente) tão aparentemente bobas quanto assustadora e belamente fulcrais das relações humanas. E fui com a cara dele, assim assim. Mas quem era ele? Prova irrefutável da química: eu já tinha a imagem e a voz dele correndo pelas veias, e ainda não sabia o nome do cara. Então eu finalmente vi que o nome dele estava acima do vídeo; como se eu tivesse lido uma matéria sem ter lido a manchete, apenas por ter visto no corpo do texto uma palavra qualquer de que eu gostasse muito e que fosse raríssimo encontrar senão na minha própria cabeça. Então procurei, e encontrei mais coisas dele. Me ative aos vídeos, porque a imagem dele me era extremamente simpática. E me encontrei, sem procurar, com a vontade forte de fazer parte desse pedaço de mundo que ele representava pra mim, e que era, basicamente: ser escritor. Mas a vida tem suas próprias vontades, e muita força também: eu mudei de país, me mudaram de casa, fui viajar, voltei, vivi e trabalhei, bebi e conversei... e escrever que é bom, nada. E o tempo passou...

Sabe, o mar tava muito grande, então fiquei só a contemplar. Logo o estômago reclamou, fui ao bar. E lá, à porta, enquanto batia a areia dos pés, olhei pra televisão. O mar ia mesmo grande, o áudio da tv era inútil. Mas o noticiário dava, numa faixa abaixo da imagem, as principais manchetes. Sem perceber, eu tinha as mãos no rosto; meus olhos uma vez mais marejavam. Fiquei ali, estático, à institiva espera da repetição da tal manchete. E a manchete voltou, e era, sem mais nem menos, aquela exata e tristíssima notícia. Sabe, eu sei que parece mentira ou licença poética, mas assim que o choque me permitiu ouvir, tinha acabado de começar na rádio a música "Who wants to live forever?". O mar era grande, mas eu só ouvia a música, e minha angústia era tamanha, que apesar da violência das ondas, que antes pareciam uma arquibancada, tudo que eu via agora era um embaçado de água: não havia espuma, apenas faixas de água mais claras, quase brancas... e as ondas parece que apenas dançavam, e não pra frente e pra trás, mas de lado a lado.
Agora, tarde que é pra conhecê-lo pessoalmente e apertar sua mão em mútuo sorriso (só o pensar dessa imagem da simples e boa concórdia entre dois homens que, se agora são estranhos um ao outro, em minutos serão prova divina da existência da provável única eternidade: a eternidade da camaradagem...), só o pensar dessa imagem de sorriso e aperto de mão, sinto o arrepio cósmico e irremediável da cruel e maravilhosa imperiosidade do Relógio dos Tempos... Ele me chama. E eu quero queimar. Preciso queimar. Ainda que seja em carinhosa memória desse amigo que não me conheceu. Mesmo que apenas pra chegar onde ele chegou, e sabendo que o tempo seria de qualquer forma um obstáculo muito forte a que nos conhecêssemos, ainda assim tentar acreditar que, caso tivéssemos nos conhecido, caso tivéssemos convivido, ele talvez não tivesse desistido. Mas não é tarde pra ler um livro dele, nem pra escrever um meu. E se o meu não sair, conforme se prometeu (e enquanto descansa Bruno* e Algoz adormeceu), ficam aqui os meus respeitos ao amigo que você me deu.

Pisco