Confraternização

(Na geladeira)

quinta-feira, maio 31, 2007

A primeira quinta-feira do resto da vida

ISTO NÃO É UM POEMA

O sinal da derrota
é ofertar de si o melhor
[e ser rejeitado.


É ser saudoso
[apenas em palavras,
como aquelas que dizemos
[apenas por convenção.


É se sentir cuspido,
[bagaço apenas,
Sem ter conseguido
sequer oportunidade
de proporcionar
o próprio, verdadeiro
[sumo.


É ver na lua um sorriso
[de escárnio,
Não se sentir merecedor
[de tanta dor,
Mas ter de baixar a cabeça
[resignadamente,
A quem não nos ama,
Adeus.


O sinal da Derrota
é ofertar o melhor de si
[e ser rejeitado.


Algoz

quarta-feira, maio 30, 2007

A angústia suprema é...

...sentir todos os estômagos da humanidade, embrulhados, dentro do próprio ventre – e não conseguir vomitar.


Algoz

terça-feira, maio 29, 2007

Servindo um inalador

A farmácia tem mais funcionários que consumidores. A simpatia – que talvez nunca tenha existido – foi substituída por aquele atendimento robotizado do “Posso ajudá-lo, senhor?”. Mas que cacete! Tudo bem, eu tenho cabelos brancos, mas hoje em dia quem não tem?! E os meus, se proliferam, é muito por essa estandardização das relações cotidianas baseada em manuais de padrão de qualidade em atendimento, essa bosta de vaca louca que atiraram no ventilador do mundo e que parece ter caído em cheio nas grandes redes de qualquer coisa estabelecidas na cidade de São Paulo. E fazem mau juízo daqueles que freqüentam os botecos da vida, que são dos poucos refúgios onde podemos nos sentir gente em meio à gente. Eu só precisava de soro fisiológico, pra fazer inalação. Peguei, fui ao caixa. Uma senhora pequenina e corcundíssima pagava sua conta – o tamanho da nota era de fazer qualquer um doente. A funcionária dizia: “A senhora acaba de economizar vinte e nove reais e oitenta e seis centavos”. Meu Senhor! Isso é coisa que se diga?! E desse jeito?! Mas era simpática com a velhinha, a moça do caixa. E a senhora, muito contente com o atendimento – e com a vantajosíssima economia – desejou bom trabalho, boa semana, bons fluidos... tudo de bom pra funcionária. Então, eu sozinho na fila, ela sozinha no caixa, ouço: “Próximo cliente, por favor”. Olho pra trás, pros lados, pra frente. Era como se estivéssemos num mundo à parte, e ainda assim ela parecia um computador sorridente. Mas também há a dor de quem está do lado de dentro, sendo forçado a se portar como um computador. E bonita, a moça. No boteco, derrubaria dois cabelos brancos com um gole só.

***

A senhorinha vai pra casa, alimentar suas hipocondrias, liga o rádio numa emissora AM qualquer, ouve seu programa favorito – sobre “histórias da vida” – e nele acredita. Vinte e nove e oitenta e seis... Sorri feliz e adormece. E assim o Brasil segue em frente, tudo em ordem, todo progresso.
A moça do caixa vai pra casa – sem parar no boteco –, toma seu chocolate quente enquanto assiste à novela, e sonha em se casar. Mas – pensa – os homens estão todos nos botecos, cachaçando com a desculpa de se esquentarem. Então dorme cedo, que amanhã de manhã tem faculdade. É preciso sair dessa vida. Mas dessa pra qual? É preciso.
E eu, com meus cabelos brancos, volto pra casa. Ponho o soro de lado. Ponho uma dose no inalador, e me escuso – ao menos por essa anestesiada fração de tempo – desse enorme fardo na vida que é pensar.



Algoz

Cama de Lama

Com a pinta de que tudo está melhor
No ano que vem ainda tem copa do mundo
Ano de eleição para mudar nosso senhor
Que está lá no alto e o povo aqui no fundo

Viaja para longe e descança numa praia
De loiras está cheio e o povo a trabalhar
De noite na TV eu vou parar pra ver Os Maias
De dia eu quero ver a vida a me escravizar

Desgraça é te ver lá longe e sorrindo
Com seus 10 mil por mês e tirando os por fora
E muitos com tão pouco devem estar dividindo
Preocupar-se com dinheiro acontece a toda hora

Que tal deitar em sua cama?
Colchão d´água e TV
E o povo que viva na lama
Onde devia estar você

rodrigo lima silva
No Be Quiet

quinta-feira, maio 24, 2007

Praia eterna

POEMA À ENTREGA

Pé que se salga, deseja o infinito.
Cachos ao vento, beleza no ar.
Sonho e miragem, vedado tocar.
Pranto ao sol, tormenta de esquecido.

Vida vazia, morada da dor.
Lábios distantes, desejo incontido.
Água no umbigo, sinal de perigo.
Olhar sem norte, brilho sem calor.

Amor infausto, penoso jazigo.
Contra o silêncio, melhor é calar.
Chaga de amor, nem cuidado de amigo.

Brilho de lua aumenta no mar.
Água no peito se faz um pedido.
Morre afogado quem sabe nadar.


Algoz

vida e morte

bocas abertas
falam
quando fecham
finalmente, silêncio

rodrigo lima silva

quarta-feira, maio 23, 2007

Muito pano pra uma manga só

Se o negar ser algo é o primeiro passo para sê-lo, sempre nos rimos disso. Mas, um dia, como sempre esperamos que aconteça aos outros, entendemos aquilo que ignorávamos até com certo desdém – e talvez ironicamente. Porque só quem se negou por muito, muito tempo a mergulhar em um determinado lago da vida – e não falo desses laguinhos do todo-dia de merda que vivemos –, só esses – os que se negaram por muito – podem enfim se atirar aos gélidos e às profundezas de um determinado lago da vida e sentir seu calor e sua intimidade. Podem bradar – ainda que a medo –: “Mais! Mais!” Podem rogar a qualquer entidade por mais frio – que os há de aquecer ainda mais a cada negativo, ainda que esse os venha a matar de hipotermia ou coisa que valha. Podem provocar o Monstro do Lago a que os venha devorar – e que não se creia que além do medo têm, sim, uma vontade formidável de serem, de fato, devorados. Perceberam, afinal, os riscos daquilo. Mas, ao contrário dos que se banham – felizes, de acordo consigo mesmos – nas pias do todo-dia, optam com força – chamariam a isso obsessão, e os ditos obsessivos ignorariam forçosamente – por mergulhar e, quiçá, morrer naquilo a que tanto tempo de negação – ou teriam sido apenas extra-cautelosas considerações acerca das observações feitas ao longo de tanto tempo? –, optam por morrer naquilo a que tanto tempo de negação os levou, por fim, a carinhosa e certeiramente enlaçar. Se estiverem errados, que importa?! Quem estará certo, quando um físico alemão, curioso por paixão, imaginando a fissura do invisível com os olhos puros de uma criança, não tenha previsto a fenda que tal fissura haveria de abrir, numa faísca de tempo, no esqueleto do próprio Ser Humano? Ao ponto de transformá-Lo em cinzas. E tudo por conta das piazinhas de água quente que, na maioria das vezes, são mais frias que o mármore das lápides. Haveríamos de rir mais de nós mesmos, de nossa miséria em acabarmos cedendo à voz – que nós mesmos odiamos – que nos ordena, com uma notinha de rodapé qualquer, a nos mantermos longe desse e/ou daquele lago, porque esse é gelado e aquele tem um monstro dentro. Era questão de tempo.
Mas se haveremos de morrer de frio e/ou devorados, isso é outra história. Há quem prefira um quinto andar simples. E quem prefira não abrir os pára-quedas. Se aqueles não morrerão e esses encontrarão uma turbina a meio segundo da porta... como prever? E quem terá estado certo?
Algum Monstro benevolente – insaciável porém – perguntaria, antes do ato atroz: “Mas por quê, meu caro, no meu lago?” Mas a resposta – justificável apenas pra quem a tem – vai pro estômago do Monstro, e nunca a saberemos. Certamente terá sido uma resposta de orgástica entrega – ainda que fugaz e inútil. Mas, que importa?


Algoz

rodrigo lima silva

terça-feira, maio 22, 2007

Trapo de manga

Seria preciso muita coragem pra sair da cama naquele dia, naquela hora. Tomar banho? Pois levantou, e tomou banho gelado. Coragem? Não. Só coragem não teria bastado. Passou o perfume que ela tinha dito gostar. Olhou pela janela, ainda escuro. Cheio de frio, sorriu. E além dos dentes batendo, sentia no estômago a dor da ansiedade. Tomou um gole de água, lavou uma maçã, pegou a manga e saiu. Terminou a maçã, o ônibus chegou. Subiu com sua manga na mão, recebeu olhares de estranhamento. “Sim, minha senhora, eu sou louco”, respondeu com os olhos à primeira passageira. Depois não respondeu mais nada, baixou a cabeça e foi o resto do caminho olhando sua manga, e pensando em seu desejo. Chegou ao metrô. Parecia realmente alguém com um parafuso a menos. O comércio ainda fechado, ele de calça jeans e camiseta, uma manga na mão e um sorriso no rosto. Quarenta e cinco minutos depois, chegou à estação de seu destino, de seu desejo. Caminhou devagar – estava bastante adiantado – e, chegando à esquina por onde ela vinha de manhã, olhou o relógio e viu que ainda faltavam vinte minutos, pouco mais ou menos, pra que ela enfim surgisse, linda e charmosa como sempre vinha – ainda que brava por ter levantado tão cedo. Sentou-se na calçada e ficou atento aos carros. Tinha uns trinta metros de visão, então tinha tempo pra ver, confirmar, se levantar e, causando susto, entrar na frente de seu carro. Depois, era só dizer um “bom dia” terno e acariciá-la o rosto – que então haveria de ser aquele grande sorriso que o deixava de pernas moles. Entregar a manga – que cheirava seu dulçor de longe –, beijar sua mão e ir-se embora... tudo quase tão rápido quanto um desses arrepios que nos fazem pairar sobre todo o resto que é nossa própria vida, imersos num momento de prazer que queremos congelar e então, quando voltamos à nossa insignificância, não sabemos quanto tempo passou. Sentado nesses pensamentos, olhos tão atentos que mal viu o tempo voar. Já havia passado meia hora, e nada dela passar. Pensou – não sem aflição – na possibilidade de ela estar atrasada. Era uma segunda-feira e, feito toda segunda-feira, um dia chatíssimo. Talvez tivesse perdido a hora. O trânsito nas manhãs de segunda também costuma ser pior que nos outros dias. Resignou-se – mas ainda aflito. Quando percebeu que já estava lá havia quase uma hora, se perdeu em pensamentos que já não eram mais pensamentos. Era todo confusão. E sem perceber, já havia se levantado e sentado tantas vezes que, então sim, dava todos os motivos pra crerem que era louco. Atravessou a esquina, sentou. Já tinha virado assunto. E num repente, se decidiu e foi embora. Tinha vontade de amassar a manga contra o próprio rosto, de sentar e se deixar ficar, largado e chorando, até passar. O resto do dia não sabe como passou. Não se lembra de absolutamente nada. Só tem na memória um cheiro delicioso de manga, e um sorriso bobo, triste.


Algoz

quinta-feira, maio 17, 2007

Não fossem tolices...

POEMA AO SONETO SEM ASAS

Eu tinha qualquer coisa percebido.
Um olhar de desejo me tomando,
Um sorriso de hipnotizante encanto,
Um toque dando à vida seu sentido.

Percebi talvez tarde ter achado,
De cegonha em mim mesmo uma cegueira.
E querendo dá-la enfim uma herdeira,
Me propus a viver sempre a seu lado.

Mesmo nunca tendo as asas batido,
Destemida foi logo cortejando,
O ventre de seu sonho enfim despido.

E se o sonho caiu antes do anjo,
Seu vôo continua ao mesmo umbigo,
Ao mesmo lindo ventre desejando.


Algoz

quarta-feira, maio 16, 2007

Tolice a dois (é quarta-feira).

Ainda que juntássemos tudo que já foi pensado ao longo dessa belezura que tem sido a História da humanidade – e certamente não foi pouco –, não conseguiríamos dar conta de um indivíduo solto na solidão cósmica de seu dia-a-dia terreno. Um indivíduo muitas vezes se vê como fosse um elétron perdido num orbital atômico inexistente àquele átomo que é sua própria vida. Alguns diriam: "Você precisa voltar daí!" A resposta: "Não sei como..." "Nem eu, mas você precisa voltar..." Acontece que às vezes o elétron (digo, indivíduo), cai no vão, no vácuo, fica enfim fora de orbital (com o perdão do destrocadilho), e momentaneamente se prostra. "Você precisa voltar daí." "Não quero, não tenho forças, não tenho motivos, que vá tudo à merda!" "Não desista... mas só você pode fazer isso. Ninguém além de você mesmo pode te ajudar." E num dia de menos tristeza, o elétron responderia, com um sorriso jovial, meio amargo: "Vou aproveitar que já estou aqui, perdido de mim em mim mesmo, pra tentar um salto quântico...". Ao que algum desavisado de plantão se descabelaria: "Não se mate!" Mas também o humor dos elétrons é coisa de intangível compreensão.
Queríamos dizer mais, mas o tempo é curto, o espaço é curto, a vida é curta. Queríamos nos criticar reciprocamente por ontem: que o opalão ficou enferrujado, que seu motor falhou, que não há banco pra passageiro... Coisas que podem acontecer. Apesar da sempre possível carona que vai no teto, ainda que o opala tenha saído um conversível.
Queremos salvar nossos elétrons queridos, quando eles se perdem em orbitais inexistentes. Mas a metáfora – talvez fraca, ou mesmo ruim – acaba no fato de que não há orbitais inexistentes no átomo que é a vida de uma pessoa, mas apenas uma imensidão infinita de orbitais, dos quais usamos apenas pouquíssimos, e os outros todos evitamos, temendo sermos ora mal vistos, ora mal falados, temendo ora o infortúnio, ora sermos felizes (a que ponto chega o ser humano!). Ou há, de fato, uns pouquíssimos orbitais. Mas nesse caso estaríamos sempre no limiar da possibilidade de nos perdermos fora de um deles e, enquanto uns lutassem pra voltar, outros se entregariam ao vácuo (esses a que nosso magnífico poder de catalogação chama de depressivos – ou covardes). Deveríamos nos questionar do porquê de chamarmos aos outros de batalhadores. Batalham por quê? Por sobrevivência? Engraçado pensar que um batalhador pode, ainda que raro, ser a última fonte de humor de algum depressivo com consciência. Nós sabemos: às vezes pedimos o oposto do que queremos que nos seja dado. Chamaremos a isso de patético, necessária e eternamente, sem considerar a possibilidade de um desvio, de uma fissura? Às vezes não há outro caminho senão deixar-se no vácuo. Pode ser que se volte, um dia. Mas poderemos julgar um outro, se o que acontece a um elétron passa necessariamente despercebido pelo todo que é o Universo?
Às vezes queremos gostar de quem odiamos, ou odiar a quem amamos. Queremos nos machucar pra tentar chacoalhar nossas próprias vidas de forma ainda mais densa do que todo o resto que havíamos pensado ser suficiente pra colocá-la no eixo em que nos projetamos com certeza e amor. Mas somos obrigados a nos ver como elétrons, à deriva e sem sentido qualquer de existir a não ser pela própria existência do todo maior.
Mas ainda se pode escrever um poema, ainda que as palavras não valham nada, de fato.


Algoz

terça-feira, maio 15, 2007

Opala metálico azul

Quando beirando os trinta teve pela primeira vez na vida realmente adulta a sensação de uma engrenagem com que se encaixasse, a engrenagem já estava encaixada, e numa peça grotescamente complexa. E tinha todo o peso dos cérebros em sua cabeça. Frases soltas e conceitos e hipóteses e teses ecoavam dentro dele num turbilhão que certo dia passou a causar náusea. Foi a primeira vez que sentiu vontade de vomitar por causa, unicamente, de seus pensamentos: que o amor é um desejo e, portanto, uma fraqueza do ser humano; uma fraqueza que causa sofrimento; mas existir é sofrer (!); e toda a história de ser mediano, de não se deixar levar pelas paixões, pelos extremos; e nesse tempo feio e maldito, em que tudo é um enorme planejar de futuros que amiúde resultam meras burocracias, alguns passaram a pregar – e é com esses que estávamos – que é preciso respirar fora da bolha, viver ao invés de sobreviver, deitar se sentindo completo (ou quase, que seja), levantar cheio de sorrisos com todas as possibilidades que o novo dia pode oferecer, tomar café na cama, distribuir flores pelas ruas, e mais todas as outras coisas que são – nesse mundo imbecil em que vivemos hoje –, necessariamente, extremismos, contravenções, subversões, heroísmos, blá, blá, blá. Tudo isso girando em sua cabeça, e a imagem de seu desejo, de seu bem-querer, lá enroscada onde ele não cabia, e não haveria de caber nunca. Mas um dia se decidiu a caber. Porque em meio a filósofos e polemistas e poetas e comediantes, estava ele. E pensava, perdido entre a escolha de certos caminhos em detrimento de outros, que não queria seguir ou perseguir ninguém. Queria apenas ser ele próprio, tentar realizar suas vontades de acordo com suas vontades, e não de acordo com essa miscelânea de pensadores que só faziam náusea e ódio nesse momento de sua vida. Então quis caber. Mas nem vale contar a desventura, de tão triste que foi. Perdeu o apetite, nem beber queria mais. Em sua cama passava todo o tempo que podia. E o voto de silêncio, que tanto admirava mas nunca conseguira levar a cabo, agora finalmente chegava. Como uma guilhotina. Teve náusea no banho, e um ódio homicida durante as duas horas que levou – uma vez mais – pra chegar ao trabalho. Mas suas férias começariam no dia seguinte, então algo dentro dele equilibrava essa balança, uma força fraca mas objetiva: era o último dia. Já tinha mandado as pobres de suas férias tomarem no cu – o que será que seria dele, passando tanto tempo largado de si mesmo? –, e passou o expediente se controlando – com dificuldade – pra não ser agressivo com algum mal educado de sempre, ou com algum desavisado feliz de última hora. Mas tudo correu bem (?). Naquele dia um amigo fazia aniversário, a festa começaria às nove. Vontade de ir não tinha. Mas tinha muita consideração pelo amigo. Então não sabia se ia ou não. Eu mesmo não me lembro, não sei se ele apareceu naquele dia. Mas sei que era um cara bacana, uma boa companhia.


Algoz

quinta-feira, maio 10, 2007

Tempo de depuração

POEMA À PORRA NENHUMA

Percebi enfim que de nada vale
[qualquer palavra.

Continuarei escrevendo
[Porém
Sinto muito

Mas não hoje.

Hoje está frio demais
E triste
[mais ainda.
Sim, mais triste do que frio.
E como treme meu corpo!

De meus olhos lacrimeja
[com ódio frouxo
o inexplicável.

Resolvi, resolvidamente,
abandonar essa vida, que
[em primeiro plano
[só embaça os sentidos
[e causa dor.

Farei minha resistência
[com frouxidão odiosa
atrás do pano,
onde ninguém, nada possa
[me cobrar ou ser cobrado.

E quando eu gritar
uma blasfêmia qualquer,
[um insulto, um crime,
Quem, enfim, me escutar
haverá de dar
[de ombros.

E se não se fazem ombros
[como os de antigamente,
É porque, pura e simplesmente,
[antigamente passou.


Algoz

quarta-feira, maio 09, 2007

Notícias de uma quarta-fria

– É assim mesmo: esse boteco é muito grande, e tem muita gente nele. Da conta sair do caixa até chegar na mesa, meu Deus!, deve acontecer de tudo. Às vezes a conta chega numa mesa em que alguém já não está mais. Como fica? Outras vezes a pessoa mal chegou e a conta já vem atrás. Nos perguntamos o porquê disso, e a resposta está ali em cima, a primeira frase desse texto: o boteco é muito grande. Mesmo. Às vezes a conta vem errada: pra mais ou pra menos. E nem sempre quando vem errada pra menos a coisa é menos dolorosa. E às vezes a conta de toda uma mesa vem parar em outra. É muita confusão.
– Engraçado: não adianta tentar uma mesa ao sol, à lua, no meio da floresta, mais perto, enfim, de Deus. Não adianta.

(...)


Algoz

terça-feira, maio 08, 2007

Carta ao Pai

Querido Papai do Céu,

Eu estava na praia, naquele dia, deitado na pedra. Distraíamo-nos filosofando muito despretensiosamente acerca dos mais sérios assuntos dessa vida. E relembrávamos com carinho daqueles que conosco não estavam. O sol estava pelas quatro da tarde, tínhamos uma garrafa gelada e tudo estava em ordem. Pedimos pro Senhor fechar a conta. Faz cinco semanas.

***

Pela primeira vez nessa amarga vida uma especialíssima pessoa me fez uma inusitada visita. Conheceu meus entes, alegraram-se mutuamente. Veio ao meu quarto, conversamos gostosamente. Sublime: deitou-se em meu peito, meu braço a enlaçando, minha outra mão em seu rosto. Cochilamos assim poucos minutos. Mágico. Pedi que o Senhor passasse a régua. Faz quatro semanas.

***

Depois de ver muitas pessoas conhecidas num mesmo dia – não que não seja bom ver pessoas de que gostamos, mas haja saco! (com o perdão da palavra, por favor) – cheguei em casa e, sozinho, tomei uma cervejinha enquanto deixava baixar a adrenalina da via-sacra (com o perdão da figura de linguagem, dessa vez). E deitado no chão, largado e satisfeito... o Senhor se lembra. Faz três semanas.

***

Caminhávamos pelo centro da cidade num dia de sol (aproveitando: obrigado pelos dias de sol!), batíamos papo, parávamos aqui pra isso, ali praquilo, caminhávamos. Em tantas diferentes situações, parados ou em movimento, cruzaram nosso caminho pessoas da mais tocante – e natural – simpatia. Algumas, talvez sentindo nossa aura de contentamento e despretensão, nos abordavam pra conversar conosco suas carências. Foi uma sensação estranha e bonita. Achei que talvez, dessa feita, o Senhor fosse me escusar do pedido e, automaticamente,... né? Duas semanas, já faz.

***

Semana passada escrevi um texto que me agradou: uma história muito, muito triste, mas contada de uma forma amena. Achei bonito. Algumas pouquíssimas pessoas próximas também disseram que gostaram (tenho que acreditar). Uma amiga passou em casa, fomos jogar sinuca. Papo vai, papo vem, ficamos conversando até três horas da manhã seguinte. Entrei, olhei a lua (obrigado, aliás, pela lua também), fui me deitar. Pensei de mim pra mim mesmo (o Senhor se lembra): bem que no segundo, no terceiro sono, Papai do Céu podia... né? Qual o quê?!

***

Bom, continuo no aguardo de ocasião que o Senhor considere perfeita pra me encaminhar a conta. Sou paciente. Vou tentando fazer minha parte, daqui. Tenho Visa Electron, vou vivendo...
Do Seu,


Algoz

Como

Para não comer frio
Como agora
Comerei antes
Para não comer quente
Como outrora
Comerei depois
Para comer
Como sempre
Comerei
Para não comer
Como nunca
Que farei?

rodrigo lima silva

sábado, maio 05, 2007

ESCOLHAS

Escolha seu caminho
Escolha seu destino
Só tu sabes o que quer saber
Só tu sabes o que quer escolher
Cremos sem compreensão alguma
Na força maior que a todo tempo nos ajuda....


Daniel Siscão de Medeiros

quinta-feira, maio 03, 2007

Amargamente doce

POEMA A UM COVARDE

Como é doce
– amargamente doce –
sentir-se inapto ao amor
[desse jeito aí.

E poder dizer a si mesmo:
Não, o primeiro amor
[não passou.
Caminha ao meu lado
pra cima e pra baixo
[todos os dias.
Não, o segundo amor
[não passou.
Seu frescor é o hálito
do meu primeiro gole
[de vinho
e o brilho lânguido
de meus olhos refletidos
[no fundo da garrafa vazia.

Que venha o terceiro!
(ele há de não vir)
Amarei-o como a um amigo.

E querendo com ele
[caminhar
Ou então dividir
[uma garrafa,
Amarei o ato em si
[de caminhar,
[de me entortar.

E serei feliz!, enquanto
me julgarão um covarde
[a mais
[no mundo.

Nesse mundo de heróis
[embrutecidos e tristes.

Mas, não rirei deles.
[E não porque sejam tristes,
[e mereçam, enfim, piedade.
Rirei de mim mesmo.
[E não porque seja feliz,
[e mereça, enfim,
[minha própria covardia.


Algoz

terça-feira, maio 01, 2007

Luiza

Luiza brincando na gangorra. Dava gosto de ver. Ela, que tinha nascido feia, feiinha, agora, ali na gangorra, com seus três aninhos inteligentíssimos, seus cabelos encaracolados, uma lindeza de criança. Aqueles olhos grandes que só. Aquele sorriso gostoso que só... que só ela não sabia que perderia. Uma lindeza. Uma imagem pra todo o sempre. Luiza cresceu. Sempre boa aluna, sempre boa profissional, sempre boa pessoa. Sempre só. Luiza muito seletiva com as companhias. Três ou quatro amigos, e não queria mais. Luiza carinhosa como ninguém. Luiza madrinha de casamento do Pedro, amizade recente mas muito forte. Luiza madrinha da Ana Luiza, filha da Ana Teresa, amiga de infância. E Luiza sempre só. Luiza viajada, cheia de histórias e humor. Luiza tranqüila, ótima companhia pra uma garrafa de vinho num dia de frio. Luiza bêbada, ótima companhia pra um almoço – de preferência na casa dela. Luiza, Luiza... sempre só. Mas sempre bem acompanhada, a danada!

***

E lá está Ana Luiza, com seus três aninhos. A madrinha, sentada num banco, lê um livro e vê a afilhada gira-girando, num domingo sossegado. Aquela imagem a incomoda um pouco. Não consegue se explicar bem, mas parece que usa um implante da melhor amiga. Um implante que poderia substituir por si mesma. E vê Ana Luiza se transformando numa espécie de cópia dela mesma, Luiza. Mas, Luiza muito focada na própria vida. Lendo o livro desfez aquela nuvem, e bola pra frente. Ana Luiza cresceu. Sempre boa aluna, sempre ótima companheira. Carinhosa como Luiza, mas fechada como nem Luiza havia sido. Numa quinta-feira Luiza acordou se sentindo estranha, era o dia da mudança de uma nova empresa pro prédio onde trabalhava. Trabalhou tanto naquela manhã que a nuvem se desfez. Foi almoçar. O elevador parou no tal andar onde a tal empresa se havia instalado. Ela sozinha. Entra um rapaz sorrindo, a cumprimenta e, segundos de silêncio depois, pergunta sobre onde comer por ali, bairro a ele novo e diferente. Algo nele a fazia se sentir à vontade. Seria a cadência das palavras? O tom da voz? O jeito charmosamente simples de pedir aquela dica boba? Convidou-o a acompanhá-la. Quase não conversaram à mesa. Era da natureza de Luiza não falar demais. Voltou ao trabalho e percebeu que não se lembrava do nome do moço. Percebeu que estava, de alguma forma, encantada. No dia seguinte, sexta-feira, almoçaram juntos de novo. E naquele sábado, num banco um livro fechado, e Luiza gira-girando com a afilhada.

– Madrinha, tá feliz?

– Você não sente falta de uma amiguinha?

Os olhinhos de Ana Luiza brilharam. Os de Luiza também.

Almoços foram, almoços vieram. Ana Luiza crescia. A barriga da mulher de Pedro também. Luiza pensava.

Luiza sempre cautelosa, convidou depois de algumas semanas o rapaz pra jantar. Só Ana Luiza sabia, sem saber. O rapaz estava pra convidá-la também, mas era quase a versão masculina de Luiza. Muito seletivo. E como se gostavam! Na segunda-feira seguinte, o mesmo quase profissionalismo de sempre, o mesmo almoço tranqüilo de sempre. Quatro olhos um tanto mais brilhantes, mas o mesmo pouco assunto à mesa. Não eram só Ana Luiza e a barriga da mulher de Pedro que cresciam. O segundo jantar demorava, demorava a vir. Três semanas de expectativa mútua. E Luiza, na manhã seguinte, sorrindo feito gangorra, feito gira-gira. Ana Luiza nunca sorrira tanto na companhia da madrinha. Então nasceu Luiz, o filho de Pedro. Ana Luiza apertava o bebê que dava gosto. O menino tinha três semanas quando, num domingo sem porquê, um gira-gira girando sozinho, um livro fechado num banco, Ana Luiza sentada ao lado de Luiza, passa a mão em sua barriga, num carinho de fazer lágrimas:

– Madrinha, e você?

Luiza engole as lágrimas, sorri. Ana Luiza também sorri. Mas sabe, sem saber.

O tal rapaz, que tinha sido promovido na semana do nascimento de Luiz, foi mandado pra Berlim, gerenciar um projeto de três meses.

***

Luiz e Tereza, irmã de Ana Luiza, brincando numa gangorra. No banco mais próximo, Luiza lendo um livro. E Ana Luiza de olho nas duas crianças.

***

A melhor amiga de Ana Luiza, grávida de dois meses apenas, deu a ela carta branca pra escolher o nome da criança que viria.

– Se for menina, Luiza... se for menino, Silvio.

– Silvio? Por quê?



Algoz