Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, maio 22, 2007

Trapo de manga

Seria preciso muita coragem pra sair da cama naquele dia, naquela hora. Tomar banho? Pois levantou, e tomou banho gelado. Coragem? Não. Só coragem não teria bastado. Passou o perfume que ela tinha dito gostar. Olhou pela janela, ainda escuro. Cheio de frio, sorriu. E além dos dentes batendo, sentia no estômago a dor da ansiedade. Tomou um gole de água, lavou uma maçã, pegou a manga e saiu. Terminou a maçã, o ônibus chegou. Subiu com sua manga na mão, recebeu olhares de estranhamento. “Sim, minha senhora, eu sou louco”, respondeu com os olhos à primeira passageira. Depois não respondeu mais nada, baixou a cabeça e foi o resto do caminho olhando sua manga, e pensando em seu desejo. Chegou ao metrô. Parecia realmente alguém com um parafuso a menos. O comércio ainda fechado, ele de calça jeans e camiseta, uma manga na mão e um sorriso no rosto. Quarenta e cinco minutos depois, chegou à estação de seu destino, de seu desejo. Caminhou devagar – estava bastante adiantado – e, chegando à esquina por onde ela vinha de manhã, olhou o relógio e viu que ainda faltavam vinte minutos, pouco mais ou menos, pra que ela enfim surgisse, linda e charmosa como sempre vinha – ainda que brava por ter levantado tão cedo. Sentou-se na calçada e ficou atento aos carros. Tinha uns trinta metros de visão, então tinha tempo pra ver, confirmar, se levantar e, causando susto, entrar na frente de seu carro. Depois, era só dizer um “bom dia” terno e acariciá-la o rosto – que então haveria de ser aquele grande sorriso que o deixava de pernas moles. Entregar a manga – que cheirava seu dulçor de longe –, beijar sua mão e ir-se embora... tudo quase tão rápido quanto um desses arrepios que nos fazem pairar sobre todo o resto que é nossa própria vida, imersos num momento de prazer que queremos congelar e então, quando voltamos à nossa insignificância, não sabemos quanto tempo passou. Sentado nesses pensamentos, olhos tão atentos que mal viu o tempo voar. Já havia passado meia hora, e nada dela passar. Pensou – não sem aflição – na possibilidade de ela estar atrasada. Era uma segunda-feira e, feito toda segunda-feira, um dia chatíssimo. Talvez tivesse perdido a hora. O trânsito nas manhãs de segunda também costuma ser pior que nos outros dias. Resignou-se – mas ainda aflito. Quando percebeu que já estava lá havia quase uma hora, se perdeu em pensamentos que já não eram mais pensamentos. Era todo confusão. E sem perceber, já havia se levantado e sentado tantas vezes que, então sim, dava todos os motivos pra crerem que era louco. Atravessou a esquina, sentou. Já tinha virado assunto. E num repente, se decidiu e foi embora. Tinha vontade de amassar a manga contra o próprio rosto, de sentar e se deixar ficar, largado e chorando, até passar. O resto do dia não sabe como passou. Não se lembra de absolutamente nada. Só tem na memória um cheiro delicioso de manga, e um sorriso bobo, triste.


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Só o bagaço da manga... um dia a gente chega lá...

maio 23, 2007 8:21 PM  

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