Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, maio 15, 2007

Opala metálico azul

Quando beirando os trinta teve pela primeira vez na vida realmente adulta a sensação de uma engrenagem com que se encaixasse, a engrenagem já estava encaixada, e numa peça grotescamente complexa. E tinha todo o peso dos cérebros em sua cabeça. Frases soltas e conceitos e hipóteses e teses ecoavam dentro dele num turbilhão que certo dia passou a causar náusea. Foi a primeira vez que sentiu vontade de vomitar por causa, unicamente, de seus pensamentos: que o amor é um desejo e, portanto, uma fraqueza do ser humano; uma fraqueza que causa sofrimento; mas existir é sofrer (!); e toda a história de ser mediano, de não se deixar levar pelas paixões, pelos extremos; e nesse tempo feio e maldito, em que tudo é um enorme planejar de futuros que amiúde resultam meras burocracias, alguns passaram a pregar – e é com esses que estávamos – que é preciso respirar fora da bolha, viver ao invés de sobreviver, deitar se sentindo completo (ou quase, que seja), levantar cheio de sorrisos com todas as possibilidades que o novo dia pode oferecer, tomar café na cama, distribuir flores pelas ruas, e mais todas as outras coisas que são – nesse mundo imbecil em que vivemos hoje –, necessariamente, extremismos, contravenções, subversões, heroísmos, blá, blá, blá. Tudo isso girando em sua cabeça, e a imagem de seu desejo, de seu bem-querer, lá enroscada onde ele não cabia, e não haveria de caber nunca. Mas um dia se decidiu a caber. Porque em meio a filósofos e polemistas e poetas e comediantes, estava ele. E pensava, perdido entre a escolha de certos caminhos em detrimento de outros, que não queria seguir ou perseguir ninguém. Queria apenas ser ele próprio, tentar realizar suas vontades de acordo com suas vontades, e não de acordo com essa miscelânea de pensadores que só faziam náusea e ódio nesse momento de sua vida. Então quis caber. Mas nem vale contar a desventura, de tão triste que foi. Perdeu o apetite, nem beber queria mais. Em sua cama passava todo o tempo que podia. E o voto de silêncio, que tanto admirava mas nunca conseguira levar a cabo, agora finalmente chegava. Como uma guilhotina. Teve náusea no banho, e um ódio homicida durante as duas horas que levou – uma vez mais – pra chegar ao trabalho. Mas suas férias começariam no dia seguinte, então algo dentro dele equilibrava essa balança, uma força fraca mas objetiva: era o último dia. Já tinha mandado as pobres de suas férias tomarem no cu – o que será que seria dele, passando tanto tempo largado de si mesmo? –, e passou o expediente se controlando – com dificuldade – pra não ser agressivo com algum mal educado de sempre, ou com algum desavisado feliz de última hora. Mas tudo correu bem (?). Naquele dia um amigo fazia aniversário, a festa começaria às nove. Vontade de ir não tinha. Mas tinha muita consideração pelo amigo. Então não sabia se ia ou não. Eu mesmo não me lembro, não sei se ele apareceu naquele dia. Mas sei que era um cara bacana, uma boa companhia.


Algoz

3 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Tá boa a coisa. Estou gostando de v/ler. Dá livro até essa brincadeira. Sério, não sei como discorrer (na verdade, acho pessoalmente mais útil), mas posso resumir que parecia que estava lendo um desses velhotes aí que, nos livros e nos jornais, fazem a gente rir e enxergar os passeios de seus personagens. Foi como ler um "pro". Parabéns.

maio 16, 2007 9:37 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Acho que quis dizer que você tem estilo. Estilo do bão. Estilo bem particular.

maio 16, 2007 9:39 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Hmmm... e aí a gente toda, festa inteira, filósofos e poetas e autônomos e polemistas e imbecís de merda dançaram, cantaram e beberam até que a Vida desse uma bela facada por trás no rin de cada um... Ou não: enfim.

* * * * *

Realmente, me sinto na presença de um (bom) cronista de fato.

maio 17, 2007 9:23 PM  

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