Confraternização

(Na geladeira)

quarta-feira, maio 16, 2007

Tolice a dois (é quarta-feira).

Ainda que juntássemos tudo que já foi pensado ao longo dessa belezura que tem sido a História da humanidade – e certamente não foi pouco –, não conseguiríamos dar conta de um indivíduo solto na solidão cósmica de seu dia-a-dia terreno. Um indivíduo muitas vezes se vê como fosse um elétron perdido num orbital atômico inexistente àquele átomo que é sua própria vida. Alguns diriam: "Você precisa voltar daí!" A resposta: "Não sei como..." "Nem eu, mas você precisa voltar..." Acontece que às vezes o elétron (digo, indivíduo), cai no vão, no vácuo, fica enfim fora de orbital (com o perdão do destrocadilho), e momentaneamente se prostra. "Você precisa voltar daí." "Não quero, não tenho forças, não tenho motivos, que vá tudo à merda!" "Não desista... mas só você pode fazer isso. Ninguém além de você mesmo pode te ajudar." E num dia de menos tristeza, o elétron responderia, com um sorriso jovial, meio amargo: "Vou aproveitar que já estou aqui, perdido de mim em mim mesmo, pra tentar um salto quântico...". Ao que algum desavisado de plantão se descabelaria: "Não se mate!" Mas também o humor dos elétrons é coisa de intangível compreensão.
Queríamos dizer mais, mas o tempo é curto, o espaço é curto, a vida é curta. Queríamos nos criticar reciprocamente por ontem: que o opalão ficou enferrujado, que seu motor falhou, que não há banco pra passageiro... Coisas que podem acontecer. Apesar da sempre possível carona que vai no teto, ainda que o opala tenha saído um conversível.
Queremos salvar nossos elétrons queridos, quando eles se perdem em orbitais inexistentes. Mas a metáfora – talvez fraca, ou mesmo ruim – acaba no fato de que não há orbitais inexistentes no átomo que é a vida de uma pessoa, mas apenas uma imensidão infinita de orbitais, dos quais usamos apenas pouquíssimos, e os outros todos evitamos, temendo sermos ora mal vistos, ora mal falados, temendo ora o infortúnio, ora sermos felizes (a que ponto chega o ser humano!). Ou há, de fato, uns pouquíssimos orbitais. Mas nesse caso estaríamos sempre no limiar da possibilidade de nos perdermos fora de um deles e, enquanto uns lutassem pra voltar, outros se entregariam ao vácuo (esses a que nosso magnífico poder de catalogação chama de depressivos – ou covardes). Deveríamos nos questionar do porquê de chamarmos aos outros de batalhadores. Batalham por quê? Por sobrevivência? Engraçado pensar que um batalhador pode, ainda que raro, ser a última fonte de humor de algum depressivo com consciência. Nós sabemos: às vezes pedimos o oposto do que queremos que nos seja dado. Chamaremos a isso de patético, necessária e eternamente, sem considerar a possibilidade de um desvio, de uma fissura? Às vezes não há outro caminho senão deixar-se no vácuo. Pode ser que se volte, um dia. Mas poderemos julgar um outro, se o que acontece a um elétron passa necessariamente despercebido pelo todo que é o Universo?
Às vezes queremos gostar de quem odiamos, ou odiar a quem amamos. Queremos nos machucar pra tentar chacoalhar nossas próprias vidas de forma ainda mais densa do que todo o resto que havíamos pensado ser suficiente pra colocá-la no eixo em que nos projetamos com certeza e amor. Mas somos obrigados a nos ver como elétrons, à deriva e sem sentido qualquer de existir a não ser pela própria existência do todo maior.
Mas ainda se pode escrever um poema, ainda que as palavras não valham nada, de fato.


Algoz

2 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Esplêndido! Filosofas, caro elétron, filosofas...

maio 16, 2007 9:30 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Hmmm...

Vai ver é por isso que eu só se fodo (ai, como eu sofro!) nessa complexidade de proporções universais que são os relacionamentos, porque eu nunca entendi física.

Será? Eu, com minha humanidade capenga, me sinto fraco e cansado demais pra tentar aprender a quântica das pessoas nessas alturas do campeonato...

maio 17, 2007 9:34 PM  

Postar um comentário

<< Home