Confraternização

(Na geladeira)

sábado, junho 07, 2008

O Menino*

O menino do calendário. Que tinha o calendário do ano inteiro decorado, todos os feriados, qual dia cairia em tal dia da semana. Até de outros anos, passados para se lembrar, futuros para se esperar.
Assim era o menino do calendário.
Que era também o menino das correspondências. Sabia aonde ficava praticamente todas as caixas de correio de sua cidade, quanto custava cada selo e de quantos seriam necessários para mandar suas cartinhas; quanto tempo estas deveriam demorar para chegar ao seu destino. Sabia até que por lei - provavelmente um resquício da era pré-telefônica e digital, um trauma da ditadura, talvez - era proibido a violação de cartas por outra pessoa que não fosse o destinatário desta. (Nunca procurou conferir a autenticidade desta lei, que ouvira de alguém, pois esta já estava suficientemente aprovada por seus inquestionáveis direitos de intimidade e sentimento de ragazzo enamorado sujeito às penúrias de um relacionamento à distância.) Sabia também os horários em que o carteiro deveria passar todos os dias; e que suplício, que felicidade, era aguardar uma missiva de amor, desse que em seus idos tempos de glória era um verdadeiro Hermes a agraciar aquele apaixonado rapaz com as dádivas de Eros.
Se naqueles tempos fosse conhecedor dos clássicos da música dedicados ao coito nessa sofrida condição, consolaria-se ao som de Mr. Postman, e com certeza faria desta um hino, ao qual todos os frios e desiludidos mais velhos deveriam mostrar respeito.
O tempo passou e o menino do calendário, que também era o menino das correspondências, cresceu, conheceu os motivos da frieza e desilusão dos mais velhos - chegou a desistir de corresponder-se, por desacreditar dessa possibilidade de comunicação -, mudou de endereços, de destinatários, virou moço, e há de virar homem e velho; e estes haverão de ser sempre os filhos daquele menino, que decorava os dias e esperava por correspondências.


Bruno*

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Menino do Calendário,

Tudo bem? Quando voltará à Paulicéia Desvairada? Como anda a vida aí na Pipa? Quantas perguntas!

Quanto ao texto, é lindo. Eu gostei muito. Já lhe disse que gosto mais dos seus textos com temas, digamos, terrenos e/ou cotidianos... Como sempre, a melancolia e/ou tristeza e/ou desilusão continuam presentes. Você sabe da minha opinião sobre elas. Não acho que devam ser levadas como um estilo de vida. De qualquer maneira, é bom saber que posso tomar contato com o que você anda escrevendo e/ou pensando. Tenho saudades. Quem sabe um dia você aparece por aqui, não é mesmo?

Abração.

Adriano.

junho 13, 2008 3:57 PM  

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