Confraternização

(Na geladeira)

quinta-feira, junho 19, 2008

Desabafo de um (des)agregado

Mario, meu caro Mario
que não me conheces
E eu a si tampouco

Maldito sou, hoje
Pelas íssimas lindas-tristes
[memórias
Que deixaste fundo gravadas
No coração de minha senhoria

Foste dela um amante de sonhos
E de seus filhos mais pai
[que o próprio pai
E de sua casa firme guardião
[e zeloso conviva

Mario, meu caro Mario
Querido menino-homem
que não me conheces
E eu a si tampouco

Maldito sou, hoje
Que o olhar dela
Por vezes, ainda, revela
Quando pousa em mim e se queda
[a pensar em si
Como que na idéia fixa
De uma grande angústia.
Eu, que vim de longe
Me ensimesmar nas calmas
E replanear o tempo vindouro
Sou, num quase repente
Em casa de gente querida
Como que um sinal de mau agouro:
Potência de má influência
Indigna de boa acolhida

Que haverás de ter feito de si?
Quando de mim fizeste isso...

Duas semanas a eu mal sair de casa
Eram a depressão da sua vida toda;
Uma louça que eu lavasse duas vezes
Era o seu excesso de tempo ocioso;
Dois caminhos comigo ao volante
Era o seu cuidado com as companhias;
Dois dias a tomar eu sol no quintal
Eram três meses seus a não trabalhar;
Duas taças de vinho em meu sorriso
Eram todos os seus porres desmedidos;
Dois parágrafos que eu ler me permitisse
Eram todos os seus cigarros já fumados

Fosse eu, num dia de tristeza
Por saudades de casa ou mesmo dor
Chorar minhas fraquezas
[feito criancinha
E já eu seria você sem destreza
A uma lâmina em si mesmo pôr
E a deitar-se, débil
[num canto da cozinha

Não deixo, porém, de sentir-me espetado
Mas tenho de seguir, apesar de espantado
Com a estranha, ruim sensação de ser julgado
Menos por minhas próprias limitações
Muito mais pelas sobras de outro alguém.

Sabe, Mario, os dias aqui
[no parque de campismo
Têm sido quentes, belos e agradáveis
Leio sem ser você fumante
Bebo sem ser você desorientado
Tomo sol sem ser você vagabundo
Pedalo sem ser você paizão
Lavo minhas cuecas sem ser você bon-vivant
Medito sem ser você caso perdido.

As crianças vão bem, obrigado:
Grandes, sagazes e lindas
– Ou ao menos assim iam
[até poucos dias atrás

Teu passado grande amor, nem tanto
Que tem na cabeça os filhos biológicos
Mais uma adotiva, enferma
Mais dois machos em seus pés a mijar
Mais uma Academia de que se livrar
Mais eu
[agora menos
Que pra além de ser um produto
[cheio das próprias falhas
Vinha, ainda, com um rótulo
que ela somente enxergava
e onde, decidida, lia:

[Marião Flash Back
[Não consumir depois de 1984

Piadinha minha, meu caro Mario
Piadinha minha, desgraçada que só

Mario, meu caro Mario
O mar e o céu parecem um só
Nesse lindo fim de tarde
E nada há que eu possa fazer
Senão voltar pra minha humilde tenda
E sorrir as graças de mais um dia
de pós Mario [tendo sido
expulso da graduação.

Mas, uma vez mais
Me resta um bocado
desse desgraçado humor
De quem não se julga culpado
Mas aceitou da tortura a dor.
Se sou tolo
Não hei de saber
Senão que não sou você

Noves fora
És muito caro, meu caro Mario.


Algoz