Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, setembro 04, 2007

Quotidianidades idiotas

Na varanda homens riem enquanto dizem besteiras quaisquer uns pros outros, dos outros que são eles mesmos. Na rua ouvem-se apenas sons de palavras e risos altos, vindos lá do alto de onde os homens conversam. Mas na rua ninguém quer de fato ouvir o que os homens têm a gritar lá de cima. A vida acontece na rua, não lá.

***

Bem-te-vi desce da árvore, pousa numa lixeira. Em proporção, seria algo como estar no quinto andar – ou, em língua de Bem-te-vi (se eles tivessem uma, assim, humana), no quinto do Inferno. Olha pra baixo e vê duas pombas bicando migalhas no chão. Olha pras pombas, pescoço de lado, curioso – eu acho. Segundos de reflexão depois, desce ao térreo. Fica a coisa de meio metro das pombas, analisando o território e a situação. As pombas fazem de conta que não é com elas. Bem-te-vi brincando de pomba, parece aquela fábula... da pombinha feia? Que era Bem-te-vi e sabia cantar e sabia voar e estava no meio de pombas se pensando uma pomba? Mas na rua ninguém queria de fato ouvir um Bem-te-vi, nem saber os porquês de ele querer brincar de pomba, ainda que sem porquês. Bem-te-vi na calçada é pomba. E ponto. Os ipês florescendo, e a vida acontecendo do lado de dentro do concreto, onde os feitos grandiosos são decididos para, então, serem concretizados do lado de fora, por sobre os cadáveres dos ipês e dos Bem-te-vis. Mas as pombas continuam. Apesar de um ou outro louco que pare no meio da rua do mundo pra observar, simplesmente, um último ipê ou um último Bem-te-vi que se dêem o trabalho de brincar com janelas espelhadas e portões eletrônicos e seguranças armados e câmeras de vigilância e/ou pombas.

***

Mas os homens que riem e gritam e se divertem, o fazem com o pouco – pouquíssimo, muitas vezes – que têm. São os moradores do longe que ali constroem os lados de dentro onde morarão ou trabalharão os outros que nem perceberão a onipresença das pombas quando todos os Bem-te-vis estiverem mortos.


Algoz

4 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Pois é. Acho que esse texto e o que publiquei logo acima tem em comum o tema (conceito) da Natureza x Cultura. Esse aqui, com uma figuração mais urbana, com ruas, prédios, portões eletrônicos, e o outro, litorâneo, com a praia e tudo mais. Mas, no fundo, vemos o mesmo Homem/ Cultura, que ri com indiferênça da Natureza/ Passarinhos, ou as Casas/ Cultura que tentam invadir o espaço da Natureza. E no caso desses dois textos, é totalmente evidente os valores que se atribuem a cada um, cabendo aos que lerem partilharem ou não desse mesmo pensamento.

Bom, pode não ser nada disso; espero não ter dito nehum absurdo.

Bessos...

setembro 05, 2007 5:07 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Simbiose natural...

setembro 06, 2007 1:22 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Fudido. Me surpreendeu a toda frase. Incrivelmente rico e de leitura completamente compensatória. Palmas.

setembro 20, 2007 12:39 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Opa.
nem sei se vc lerá esse comentário, mas achei muito foda esse texto. Já havia dito q gosto da maneira q vc escreve.
muito sensível.
parabéns.

abs

;]

setembro 21, 2007 12:26 PM  

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