Confraternização

(Na geladeira)

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Covardias

Qual covardia será maior: a que se impõe ou a que se aceita? Se mesmo um deus uno é diferente pra cada pessoa e em cada circunstância, que forças regem os motes da vida? Se o inferno de cada um é uma imagem ou um som ou um cheiro ou uma presença ou uma ausência diferente do inferno de outro qualquer e mutável dentro de si mesmo... onde chegam todas as filosofias humanas, das supostamente elevadas às mais chãs? Se o carinho que não se ocupa de oprimir, e o bem-querer que se deixa anular em nome de ser apenas bem-querer, e os olhos que querem apenas acompanhar – apesar de isso em si ser de alguma forma vaidade –, e as palavras que querem apenas ser carinho e bem-querer e companhia, e tudo mais que seja uma carência tão consciente de si mesma que seu próprio peso – visto como negativo – seja um sorriso ciente de sua própria finitude... se tudo isso enfim, somado a tudo que se possa chamar – com honestidade – de belo, não basta pra que um amor sobreviva... o que é o amor e de que vale? (O que é a honestidade, dentro desse raciocínio?) O amor, enquanto realização prática de todas as potencialidades de que se pensa ser feito necessário, não há. E se há, é meramente como aplicação endógena de tudo isso. E qualquer retorno que se alcance dos intentos dessas potencialidades há de ser satisfatório acaso. E em havendo tal acaso, ele próprio se transformará em trabalho constante de autopreservação – dentro da irremediável mutação que ele próprio se infligirá. Enquanto cada deus segue em sua própria paz; os homens fazendo guerras pela imposição de suas próprias opiniões-verdades acerca de tal imunidade, espancando suas ora valentes ora silentes mulheres; as grandes filosofias impondo suas versões do que sejam as grandes covardias em oposição nítida e absoluta das austeridades que se pode/deve praticar. E cada homem e cada mulher, perdidos no grande oceano interno de que não são senão marionetes, segue caminhando a vida – entre alegrias e descontentamentos – de cabeça pensa e olhos dispersos, pensando – cada qual com suas próprias idéias e palavras – em como não passam de ser aquilo tudo que, ao longo da vida, foram perdendo. Alguns optarão por não olhar pra trás, e terão talvez a cabeça quase ereta, e um olhar direcionado qualquer a qualquer coisa e/ou pessoa. Mas quando os olhos se fecham pra que o esqueleto descanse e os músculos se desenrijeçam, o escuro da mente – pouco diferente de cada um pra outro – trás tudo de volta. E só não sonha com ratos imundos quem recebe o amor de quem se ama. Além de todas as outras coisas. O oceano é infinito, e os navios cargueiros não cessam. Mas se rarefazem nas costas tranqüilas em que se pesca por comer, e se banha por se sintonizar, e se observa por sentir, e se respira por viver; e em que se sente que a companhia com quem se pesca, com quem se banha, com quem se observa, com quem se respira... está lá por vontade, e tem seus próprios fantasmas e respeita a todos, aos seus e aos de quem mais os tiver. E sente que seus próprios fantasmas são respeitados, e não se assusta com tal respeito.


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Melindrosa!

Complexo, enquanto fluxo-linguagem e conteúdo.
Bom, enquanto questionamento, mas enquanto experiência sentimental dele... é doído.

Bessos...

janeiro 24, 2008 6:23 PM  

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