Confraternização

(Na geladeira)

sábado, janeiro 19, 2008

Se virares pescador...

carta primeira

A semana tem sido difícil. A chuva, somada a todo o lixo que as pessoas insistem em lançar pelas ruas: de seus veículos particulares; dos coletivos – mesmo os motoristas e cobradores, que não são passageiros, têm esse infeliz hábito –; de suas transeuntes mãos; de suas janelas domiciliares e também das comercias; e de qualquer oportunidade que lhes vem à mente em qualquer lugar e/ou circunstância... Enfim, a chuva... somada a todo o lixo e a todo o concreto que o Homem insiste em assentar sobre o que um dia foi a Natureza – ainda hoje chamada de Mãe, o que me faz pensar na alegria de uma mãe que recebesse tais carinhos de suas próprias proles, como ter a própria vagina concretada pelo filho mais velho e, posteriormente, por morbidez inexplicável (compreensível, porém), receber de seus filhos mais novos, em sua face, a merda que produzissem dos alimentos que ela mesma a eles tenha dado –... essa equação toda tem levado à morte inocentes pessoas culpadas, além de aumentar o já quotidiano caos, o que só aumenta a violência tão potencial no ser geral humano. Por que insisto em reproduzir tais obviedades? Perdoe...

No escritório, correria. Prazo pra isso, prazo praquilo. Prazo pra prazo. Essa condição, somada a todas as doenças mentais que cada qual traz dentro de si, tem feito de mim uma pessoa um tanto impotentemente margurada. Não sou capaz de ouvir as histórias particulares que todos trocam entre si senão com a insatisfação cósmica de quem é obrigado a ter as próprias asas mentais e artísticas podadas dia-a-dia em troca de ser mínima e miseravelmente capaz de pagar contas. E elas não cessam de chegar às minhas mãos e a meus olhos, assim como não cessam de chegar aos meus ouvidos e à minha resignada ira toda sorte de mesquinharia que um ser humano apenas consegue produzir. Imagine o poder disso multiplicado por mil e elevado à enésima potência. A música que corre em mim em suspensão forçada, meu dançante corpo percorrendo com passos indiferentes caminhos tristemente habituais... Meus olhos, vendo toda a maravilha do mundo, impossibilitados de gravar cenas e paisagens como no momento exato delas conseguiriam, caso dispusessem... de tempo.
Não, não há tempo, meu caro. Não há tempo pra se meter o nariz dentro de uma flor vistosa – ainda que pra constatar que ela seja apenas bela e não perfumada. Não há tempo pra se carregar o carrinho de feira da senhora idosa por quem se passa com pressa rumo às contas que se tem de pagar – ainda que pra constatar a rabugice da velha. Não há tempo pra se parar o carro num cruzamento – onde a lei manda (?!) que se pare – pra que atravesse uma moça prenha – ainda que se pense na possibilidade de aquele feto vir a ser mais um político corrupto do mundo. E nem há o tempo de se comprar uma rosa amarela pra moça a quem se quer bem, pois ela não quer parar seu próprio tempo pra recebê-la, pra acariciá-la, pra cuidar dela com água e uma boa conversa tão mais necessária ao ser humano quanto à própria flor. Não, não há tempo. Não há o tempo de se ler um bom livro, nem o de escrever palavras carinhosas quaisquer a quem se queira. Não há o tempo de um sono bom sem turbulências, pois tudo que não é turbulência é feito com pressa e/ou com distanciamento. Só há o tempo do ônibus – sempre ainda mais atrasado do que eu mesmo, além de lotado. O tempo dos vagões – sempre plausivelmente bagunçado por alguém que desiste nos trilhos. O tempo dos bancos – sempre indiferentemente pontual. O tempo do trânsito – sempre indiferente aos pedestres, aqueles reles seres que inventaram o automóvel.

E há o tempo do amor refugado, do beijo não dado, do silêncio forçado, do abraço guardado, do carinho não trocado.

Mas não há porquê de se preocupar com tais ocupações, meu caro. Sigo insistindo em transgredir todas essas leis que a estupidez e cegueira humana produziram em prol de sabe-se lá o que. Alguns me vêem como louco. Outros como imbecil. Em qualquer dos casos, têm lá suas [esquisitamente enraizadas] razões.
A música que em meus ouvidos toca ameniza tudo. E a sua ausência física não me impede de sempre tentar expandir meus sentidos, e de buscar sempre incorrer em erros novos.

...dê um mergulho por mim.

Abraço,

Tabebuia Chrysotricha

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Caríssimo...

Sinto não ler melhores inmpressões de sua parte. Não me admira o tempo, a chuva, o asfalto, o ônibus e o metrô, a pressa, a imbecilidade, continuarem, no seu rítmo alucinante e estúpido. Aqui não há nada disso. Estupidez só a minha. E já pude perceber que ela há de me seguir onde eu for...

Mergulharei por ti, enquanto você não vem...

Bessos!

janeiro 21, 2008 8:19 PM  

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