Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, março 11, 2008

A rosa e o chafariz

A rosa estava a mais de metro e meio do solo. Dei bom dia e saí.
O dia foi desimportante. (Sempre há coisas importantes num dia, mas na cidade grande costumeiramente não temos tempo de vê-las. E se as vemos costumeiramente não apreciamos, e se as apreciamos costumeiramente estamos cansados já o suficiente pra não fazê-lo bem, e se o fazemos bem é costumeiramente sem tempo suficiente. Então calculo que tenha havido coisas importantes naquele meu dia, mas de nada me lembro com muita ênfase – afora a gorda e rápida chuva do começo da tarde.) Então o dia não foi, na verdade, desimportante. É que depois que a noite subiu, quando a soma de todas as coisas me punha com uma latinha na mão, encontrei – quando já me ia embora – um motivo ímpar pra sorrir: então o dia se fez todo um esquecimento, caindo por isso nessa desimportância que talvez nem tenha sido, mas que não se controla – e que assim seja! –: um abraço. Um suave e forte e entregue abraço.
Um abraço. Sorriso, suspiro. Pausa. Saímos do barulho da aglomeração. Sentamos num banco, conversamos as amenidades dos dias, bebendo devagar. E era bom. Fomos beber mais, mudamos de lugar, conversamos mais. A hora passou, caminhamos. No caminho, paramos e compramos bombons. A noite era um calor ameno que se revezava com a brisa típica que aquelas praças todas juntas propiciavam – isso pra ela. A mim a noite tocava fresca, sem quase alteração. O chocolate, levemente derretido, a fez contente. Então eu sorri, contente de estar ali, caminhando ao lado dela. Numa das praças havia um espelho d’água. Foi pena o chafariz estar desligado, a noite estava gostosa. Abracei-a com minhas mãos cruzando seu colo, meu queixo em seu ombro, e toda a ternura que a ela destinava – e que era todo eu –, ameaçando em brincadeira pisar com ela aqueles pouquíssimos centímetros de água que jaziam a ausência da chuva de si mesmos, que o chafariz, quieto, não criava. E disse como tinha sido bom, pra mim, tê-la encontrado naquele dia. Então a virei e me deixei estar abraçado com ela um pouco mais. E nesse momento em que palavras dizem menos do que em todas as outras passagens, eu sentia pouco além da gratidão cósmica por estar naquele lugar, naquele momento, com aquela pessoa, envolto naquele abraço. Então saiu da minha boca algo com a palavra casa. E antes que eu me reprimisse por ter emitido som, senti a lágrima de emoção que corria pra dentro e que tinha, com pouco de minha consciência, pronunciado a tal frase. Então apenas sorri, com a dor não-triste pela constante finitude das horas [belas].
Seguimos caminho. Eu, tomado do meu eu-criança-feliz mais conscientemente inconseqüente – sabido que a hora da despedida chegava e tentando viver aquele momento com toda a intensidade que meus pêlos pediam –, abracei-a pelas costelas e comecei a girar nós dois. Ela pedia, rindo, que eu parasse. Mas que importava mais do que aquilo? Acabamos por cair na grama. Respiramos, levantamos, voltamos a caminhar. E sentados, à espera do tempo, segurei e beijei sua mão. E com palavras poucas e simples e tranqüilas, me coloquei uma vez mais à disposição dela, como quem oferta e se retira antes de ver o primeiro movimento facial.
É que não nos víamos havia quase três meses. É que não havia motivo por que esperar.
Havia apenas o meu todo carinho. Tão lapidado por tudo que, se não cabia em mim, sabia – pouco mais ou menos – onde parar e sorrir, à distância, essa tristeza não-dorida de recolher-se a si mesmo.
Há coisas que nenhuma explicação explica.
A rosa tinha crescido visivelmente. Dei boa noite e me fui deitar.


Algoz