Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, dezembro 11, 2007

Crendice*

Eu me lembro de ser pequeno e ouvir da conversa dos adultos que as dores de quem tinha pedra nos rins eram as piores dores do mundo, as únicas comparadas às dores do parto, e que não havia jeito nenhum de fazer com que as terríveis dores parassem. Até homens choravam.
Lembro-me de ter ficado com muito medo, e de ter desejado profundamente - na época, quem sabe, ter iclusive pedido a deus - nunca sentir essas dores. Batata: cresci, e tive pedra nos rins. Confirmei que as dores eram mesmo insuportáveis, e que infelizmente não havia exagero no que os adultos disseram.
Mais tarde, vim a descobrir que as pedras nos rins eram tecnicamente chamadas de "cálculo renal". Achei bonita e elegante a designação técnica, principalmente por ter sido capaz de reconhecer, com meus parcos conhecimentos em latim, que cálculo, aquele mesmo das operações aritméticas, queria dizer pedra, e supus então que os matemáticos de antigamente, não dispondo de calculadoras, faziam contas no chão, ou com as mãos, usando pedrinhas.
Recentemente, em uma conversa com amigos, brinquei e disse que eu só fui ter os benditos cálculos renais porque quando criança eu ouvira desavisado suas assustadoras histórias, e tive tanto medo que acabei desenvolvendo a doença. Assim como nos advertem algumas das famosas crendices populares, do tipo: "Não pode deixar a criança com vontade, senão fica com lombriga". Tive medo, acreditei e me nasceram pedras nos rins. Talvez a psicanálise chame isso de psicossomatização. Nos meus tempos de criança, era só verdade.
Enfim, quando contei a história para meus amigos, eles, com toda a razão, zombaram de mim e da minha hipótese absurda, no que eu retruquei, participando da graça: "Vocês já sentiram alguma dor no pâncreas? Já ouviram alguém se queixar de dores no pâncreas? É óbvio que não, porque ninguém lembra que o pâncreas existe!" Rimos e concordamos com a teoria. Na verdade, concordamos tanto que, um dia desses, um dos amigos se encontrava em leve desalento e desabafou dizendo: "É só a gente não acreditar e tomar cuidado para não lembrar que existe coração, aí a gente não sofre".
Na dúvida, é melhor não acreditar.

Bruno*

6 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Para Liza.

dezembro 11, 2007 3:19 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Bruno,

Gostei. Prefiro os seus textos mais alegres ou mais despretensiosos como estes. É evidente, para quem o conhece, que nele está contido sua visão de mundo, com todas as suas opiniões que lhe fazem tão peculiar, mas, longe de ser um tanto grave ou melancólico, como alguns de seus outros, é irônico, levemente ácido e extremamente agradável de se ler. Amo estas crônicas do cotidiano. Gosto mais quando você aborda este tipo de assunto do que quando escreve sobre questões metafísicas. Acho até que, de acordo com suas opiniões sobre as questões metafísicas, é até mais coerente com sua visão de mundo falar e se preocupar com as particularidades e peculiaridades dos acontecimentos e/ou cotidianos. Gostei muito. Parabéns.

Abração.

P.S. - Ainda gostas do Osho? Achei na Internet um arquivo com mais ou menos uns 60 livros digitalizaos dele em espanhol... Você se interessa? Me mande um e-mail. O meu é adrianosxe@yahoo.com.br.

dezembro 13, 2007 7:00 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Errata

Ao final do comentário eu quis dizer acontecimentos terrenos e/ou cotidianos.

Perdoem a pressa.

Abraço a todos.

dezembro 13, 2007 7:02 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Valews, Adriano!

Eu também gosto mais desse meu lado filhote de Braga. É que o lado mais metafísico também é muito importante pra mim, faz parte do meu cotidiano. Bom é quando os dois se misturam e sai um texto mais prosaico e tal. Enfim, brigadão.
Vou te mandar o e-mail.

Abraço!

dezembro 13, 2007 2:45 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Prosaico é bom!

dezembro 18, 2007 11:25 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Errata II

Faltou um "u" por aí...

dezembro 18, 2007 11:26 AM  

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