Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, abril 08, 2008

Sinuca

– Você não se importaria se eu te apagasse dos meus contatos, certo?
Era sábado, eu tomava um café preto depois do almoço. Li a pergunta uma, duas, três vezes. E por mais que eu quisesse não acreditar, e ainda que esfregasse os olhos, a pergunta estava lá, na tela do computador, sem cumprimento prévio, apenas ela mesma, a pergunta, seca e dura, me olhando triste e ressentida, esperando por resposta. Até quando seria assim? Até quando aquele nosso silêncio se revezaria de tempos em tempos com questionamentos incômodos sobre sentimentos e práticas que não se explicam? A pergunta estava ali, esperando...
Fui sincero.
Até quando minhas respostas, somadas à nossa distância – física e mental –, se transformariam em mais perguntas?

***

– Por que não podemos ficar perto um do outro?
Nisso eu estava sentado na cama, algumas horas mais tarde, a luz do banheiro acesa, pés descalços pra lá e pra cá. E uma vez mais, dessa no telefone celular, eu olhava a mensagem que pedia resposta antes mesmo de se apresentar. Então me ocorreu algo, admirando aquele corpo moreno vindo e indo em toalhas brancas. Escrevi...
– Talvez porque minha vida siga caminhos que nem eu mesmo acompanhe.
Enviei a mensagem. Deitei o aparelho no criado ao lado da cama, me vesti. Os pés descalços se calçaram, fomos pro bar. Do outro lado do balcão, aquele bom e velho amigo já esperava com duas latinhas. Conversamos um pouco, jogamos sinuca, beliscamos qualquer coisa. Os pés antes descalços acompanhavam como se ainda descalços estivessem: em cúmplice sintonia. Já os três bebiam cachaça, e trocavam histórias e idéias, o tempo passando gostoso, a vida seguindo seus próprios passos.
A resposta virando tréplica...

***

– E não seria assim a vida de todos? Só resta coragem pra mudar de rota ou pegar um desvio. (...) O caminho vai ser sempre desconhecido mesmo.
No criado, desamparado, o celular segurava sozinho o peso do silêncio que seguia aquelas mensagens.
No bar, descontraída, a noite ia com sua música pouco a pouco trançando pernas.
Eu queria saber dizer e silenciar as palavras certas e nas horas certas. Mas sabia que nenhumas dessas coisas existiam, e que eu mesmo, se havia algo certo na vida ou no mundo, eu mesmo era das coisas mais erradas. E dizendo que era errado, talvez conseguisse colocar as coisas em lugar menos pior. Mas não queria magoar alguém a quem queria tão bem. Não queria dizer a verdade nua e crua, me assinar volúvel e vadio. Não queria explicar com todas as letras que meu corpo não se quedaria perto dela senão trazendo, de quando em quando, um amargor de que ela poderia se poupar, se eu permanecesse fisicamente longe. Minha vida era um caminhar sempre incógnito, do balcão pra mesa de sinuca, e da mesa pro banheiro, do banheiro pro balcão, pro caixa, pra rua, pra cama qualquer... Não queria ter de dizer que tinha tanta coragem pra mudar de rota e pegar desvios, que já não vivia num caminho desconhecido, mas apenas por atalhos. E não queria ter de explicar esses atalhos, tão conscientemente escolhidos em detrimento do desconhecido alheio, tão socialmente escusos, tão resignadamente não-aceitos por muitos dos poucos que me sabiam e me queriam bem. Não queria tanto. Queria apenas ser um pouco dono de mim mesmo, com todas as amarras que a própria vida já me obrigava a carregar. E que eu me chateasse com isso, paciência. Não queria era chateá-la por ser aquilo. Aquilo que eu era e por muito ainda não mudaria.

***

Então nos enroscávamos no balcão, e ríamos junto com nosso amigo das piadas que ficavam todas cada vez mais engraçadas, e perdíamos dicção enquanto mais bebíamos. O celular, descansando em silêncio, dava tempo às perguntas de se descansarem também. Logo todos os contatos se apagaram do lado de fora da porta, e do lado de dentro tudo virou contato, pés novamente descalços, nuvens rolando, luzes se acendendo e se apagando, cortinas dançando devagar, corpos adormecendo, o céu enfim clareando...
O dia voltou e a vida continuava lá, mais cansada pra uns, mais dolorida pra outros, lágrimas e sorrisos em seus devidos lugares. Alguns erros certos de si mesmos, algumas certezas talvez ainda tateando seus caminhos. E um silêncio torcendo, com carinho, pra ter – se fazendo um caminho desconhecido – se feito resposta.


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Li..Li de novo... agora entendo algumas coisas...ou talvez não..Pode ser um pouco de fantasia de poeta ou um poeta querendo pedir socorro por coisas que ainda o atormentam...Talvez seja a hora de duas pessoas silenciarem as dores do passado e só...E o caminho pode ser escolhido.. Está vivo..Enfim... Um ótimo texto! Parabéns..estou orgulhosa e emocionada.(T.T)

abril 09, 2008 12:24 AM  

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