Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, abril 15, 2008

Bonsoir

Começava a primavera em Paris. Um escritor de seu renome caminhava à beira do rio, no sentido da correnteza. Tinha deixado as cortinas abertas, pra acordar cedo caso o céu viesse azul. Acordou com as paredes do quarto em chamas, num amarelo pudim que o fez sorrir pensando... na história que contaria à charmosa senhorita que, com olhos de caçadora e movimentos de caça, fazia do café da manhã uma delícia completa e preguiçosa. Pediria a ela uma omelete dupla com aquele queijo francês que ela mesma tinha recomendado quatro dias antes, quando ele fazia seu primeiro café da manhã na cidade, ele com sua inalterável timidez, ela com aquele olhar de curiosidade reprimida pelo crachá de funcionária do hotel onde ele se hospedava. Mas hoje, com aquele sorridente argumento das paredes o acordando amarelas, talvez conseguisse transparecer não só seu interesse pela moça – tão evidente em seus sorrisos cheios de falta de jeito –, mas também sua intenção em demonstrá-lo, tão quase tardio já – ele teria apenas mais dois cafés da manhã depois daquele, antes de deixar a cidade. Ela, sorridente...
– As paredes do meu quarto são amarelas... adoro amarelo.
O homem quase engasgou, sua respeitosa barba parecendo alguma precocidade que tivesse acometido um menino dos seus dezesseis anos. A moça, levemente constrangida – pela situação e por sua ocasional impossibilidade – perguntou se o rapaz precisava de ajuda. Ao que ele se saiu bem, até...
– Perdão, me emocionei além do costume...
A moça, tendo visto a humildade com que o estrangeiro flertava consigo, usou da experiência toda que tinha adquirido ao longo dos anos trabalhando com o público: fez que ia à cozinha buscar algo que amenizasse o engasgue de nosso patrício, e voltou com um guardanapo borrado com um nome e um número. O rapaz, ainda tossindo, entrou no jogo de discrição e apenas agradeceu, como que a uma boa profissional que tivesse acabado de cumprir bem com suas requeridas funções.

***

Andava por uma primaveril parisiense beira de rio um escritor. Andava sorrindo.

***

Fim de tarde na Torre. Uma moça dos seus trinta anos, acompanhada de sua fofura de mãe, olha de baixo pra cima a imensa estrutura. Comenta sobre a gigante delicadeza daquilo, mas não fala apenas com sua mãe. Um seu conterrâneo passava, sorrindo quase que uma cãibra – eram já mais de seis da tarde, e o pobre-diabo nem almoçado tinha, caminhava pela cidade desde as oito e quarenta da manhã, sentando-se apenas nos bancos dos boulevards e das praças pra que seu corpo se aproveitasse de seus pensamentos e sorrisos mais delongados pra descansar um pouco. Volta então à realidade o rapaz e, sem que sua habitual timidez tivesse tempo de forçar seus passos a continuarem o caminho, pára ao lado da filha que com sua óbvia mãe conversa e, sem pestanejar, se lança...
– Se eu morrer em Paris e me mandarem de volta pra ser enterrado lá, assombro as próximas vinte gerações da minha própria família.

***

Era um dia de outono... tinha garoado fino o dia todo, e agora era noite e fazia frio. Uma mensagem, vinda da Europa, dizia...
– Acabo de jantar com um escritor. Patrício nosso. Um charme de timidez. Quem é que vai querer um francês depois disso? Ah!, se eu arrumasse um desse pra mim... casava, constituía família, e se ele quisesse ficar por aqui, nunca que eu voltava. Pode se preparar pra vir me visitar...


Algoz

2 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Caramba.
Excelente "terceira pessoa".
Linda narrativa.
Boa estória.

Muito jóia.

Beijos...

abril 16, 2008 8:52 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Uau. Me dá vontade de ler de novo. Fluência, trabalho.

abril 23, 2008 3:20 PM  

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