Confraternização

(Na geladeira)

quarta-feira, outubro 17, 2007

Res sem timento

Bem aventurados aqueles raríssimos que conseguem se relacionar sem subordinar a questões sociais quaisquer os sentimentos que nutrem pelo outro. É claro: é gostoso gostar de alguém por quem se atraia fisicamente; confortável gostar de alguém financeiramente aconchegante; redentor – e muito difícil pra muitos sequer o perceber disso – é gostar de alguém que seja de alguma forma necessitado; há mesmo quem diga – e de fato acredite – que de todas as comodidades de um gostar, a mais interesseira, dizemos, interessante, é gostar de alguém em menor quantidade e com menos qualidade do que o gostar que esse alguém sente por nós. (Caberia questionar quem sabe mensurar um sentimento. Dois, então... Mas seria ainda mais inútil do que todo esse resto.) Então, acordado que na prática se faz quase impossível um gostar insubordinado a questões sociais, permitido seja pensar com ressalvas os relacionamentos em que o sentimento ultrapasse certo nível de subordinação a qualquer uma delas. É interessante: a vida – na quase absoluta generalidade – acontece na prática, longe dos recônditos românticos da mente humana. Sonhamos o amor; mas vivemos o trabalho, os estudos, o estresse, a doença, os vícios. Mesmo os sonhos gerais do ser humano estão num plano menos recôndito do que o amor. Vivemos o sonho da riqueza: por isso o trabalho; vivemos o sonho do poder: por isso os estudos; vivemos o sonho do conforto: por isso o estresse; a doença muitas vezes surge de um sonho vivido com muito afinco de se alcançar algum padrão de beleza; vivemos o sonho da imortalidade: por isso os vícios. E assim vai. Mas o sonho do amor raramente é vivido. A não ser pra quem acredite que a soma do que seja o amor com todos os atritos e conflitos dele advindos resulte algo de que se possa subtrair tais desconfortos. (E aqui também caberia pensar que há pessoas que não vêem em atritos e conflitos formas de desconforto. Mas seria uma balela a mais.) Então, voltando: a vida acontece na prática, ignorante do que seja o tal do amor. Mas quando o caldo entorna, aí é que a prática pode mostrar todo seu poder... prático: mostrando como garras os sonhos que não nos importamos em sequer tentar viver, em nome de sermos práticos... e não termos tempo ou disposição praquela coisinha boba que guardamos na última gaveta de nosso inconsciente, mais desimportante que uma discussão de trânsito. Por essas e outras: bem aventurados aqueles raríssimos que conseguem se relacionar sem subordinar a questões sociais quaisquer os sentimentos que nutrem pelo outro.
Quanta bobagem!


Algoz