Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, outubro 02, 2007

A morte de um sorriso

Bastava estar lá na hora do almoço certa. E estar sentado nas mesas do lado de fora, com vista pra calçada da avenida, que era onde aquela van encostava todos os dias úteis, pra deixar aquele moleque. Tinha cara de C.D.F. – como dizíamos no nosso tempo – e um sorriso gostosamente simples de quem é moleque e, apesar da cara de C.D.F. – e de quiçá ser, de fato – ser querido por seus próximos. E todos que naquela padaria almoçavam concordavam – e sem precisar de palavras, mas apenas sorrisos, e eram muitos –: aquela cena, sozinha, valia sempre a pena da solitária hora do almoço: a porta do automóvel se abria, e enquanto se ia abrindo já era possível ver, lá dentro, todos sorrindo por aquele segundo que chegava e que era, triste-alegremente, o momento da despedida. Então ele curvava o corpo – pra descer à calçada –, e todos, cada um de acordo com seu próprio estado e alcance, lhe estapeavam a cabeça. E nosso herói, quase tropeçando, se recompunha enquanto a porta da van se fechava e o veículo já se ia movimentando. E tudo isso com aquele sorriso maroto que só vendo pra entender. E todos os dias era a mesma história.

***

Comíamos talvez panqueca, eu e minha quotidianíssima amiga, num dia em que lá estávamos nessa hora certa de todo dia que nem todo dia conseguíamos presenciar. Eu comentava minha chateação pelas pessoas que – talvez inconscientemente – desonravam suas palavras esquecendo-se das propostas por elas mesmas feitas. E pensava concluir que as pessoas, às vezes, se forçam mentalmente uma situação com tanto ímpeto, mas tanto cego ímpeto, que ao invés de baterem no fundo de qualquer coisa e voltarem – com alguma sorte enriquecidas –, batem no fundo dessa coisa qualquer e por lá se deixam estar – temerosas talvez do regresso?, temerosas talvez de estarem erradas dentro daquilo a que se propuseram? –, tristemente ignorantes de um dedo amigo ou outro que pensasse lhes tatear um ou outro ombro numa esperança já resignada de lhes fazer ver qualquer coisa senão a caverna a que sistematicamente se tivessem proposto crer como saída – ou entrada – pra algo qualquer de conscienciosamente abstrato e falível. Mas, ao final da conversa – uma vez mais – nada concluí. Era um assunto chato, eu sei. Mas sobretudo triste.
Lá vinha o carro. Parou. A porta se abriu, quase nenhum movimento. O moleque desceu, sem tapas. Seguiu caminhando, sem sorrisos. Era já a terceira vez seguida. E pra isso havia uma conclusão, nem feliz nem triste, apenas inexorável: aquelas crianças tinham crescido.
Então dei a última garfada pensando que também as Kombis do nosso tempo “cresceram”, e viraram Bestas. E desde então pessoas queridas já não mais se importam em nos dar as costas.
Nessa noite sonhei com um menino com cara de panqueca. Uma panqueca triste.


Algoz

3 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

O menino-panqueca me lembrou Tim Burton. Mas os personagens do diretor ficam invariavelmente na solidão da infância, sempre levando os pedalas da vida. Já o mundo da sua crônica cresceu. E isto o diferencia das histórias de fadas. O negócio agora é foda. Fiquei triste. Queria que o garoto continuasse resistindo. Abraços,
AR

outubro 03, 2007 10:02 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Só as crianças gostam de brincar de bater o pé no fundo da piscina e voltar. Os adultos acho que preferem ficar boiando.

outubro 03, 2007 3:32 PM  
Anonymous Anônimo disse...

COisa séria.

outubro 03, 2007 4:22 PM  

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