Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, outubro 09, 2007

De um abraço bom

Cinco muito corridos dias (in)úteis depois, vinha o tão sonhado sábado finalmente. Mas já oito horas da madrugada eram quando enfim deixei meu corpo dormir de fato. Já desde a segunda-feira doía um meu olho, sinal do cumulativo estresse – mental e físico – decorrente do quase final dos tempos que ao meu corpo minha mente vinha impondo de tempos pra então. Na terça-feira havia doído um pouco mais, na quarta mais ainda. No sábado – que nem sábado ainda era, pro pobre-diabo do meu corpo –, como ele mesmo ignorasse o ter-se ido dormir às oito, quando às dez da manhã acordei, cada vez que piscava os olhos uma agulhada parecia atravessar o vértice externo desse estressado olho. Uma agulhada.
Já quatro da tarde eram quando – sem descanso desde aquelas remotíssimas dez horas da manhã – meti freio ao tempo. E sem querer e/ou perceber. Uma amiga, que me acompanhava na incansável tarefa de viver aquele suposto dia de descanso, precisava comprar flores. Mais de cinco floriculturas não tinham o que ela queria. E ali, pertinho de casa, num recanto florido e florado que ambos sabíamos existir mas ela nem eu conhecíamos, fomos tentar minhas últimas energias. Não, não havia, ali tampouco, o que minha amiga queria. Mas não conseguíamos ir embora. A senhora que nos recebeu era uma flor, e as plantas todas juntas à água que as tinha regado ao longo de todo aquele dia – enquanto meu olho agulhava meu cristão-ego pelos excessos boêmios da vida – produziam um aroma de lar que era como a religião por excelência: um reencontro com a origem das coisas sem mediador ou imagem ou imagem da imagem. Havia uma cor predominante, que era o verde das folhas de tudo que era vivo e ali respeitosa e pacificamente existia. Mas o travesseiro no qual a essência de tudo – inclusive a minha, eu que duvido da essência humana –, o travesseiro onde a essência de tudo se comunicava em harmonia... era um cheiro: o cheiro das folhas e flores e de toda a terra e de toda a areia e de toda a grama e da água que por ali semeavam a própria continuidade daquelas evoluídas formas de vida que são a vegetal e a mineral. Não conseguíamos ir embora.
Encontrei enfim um vaso que muito me atraiu, e cujos detalhes me fariam fantasiar mil ideais mundos. Limito-me a dizer: era bonito em si; as plantas que nele habitavam eram umas graças; seu preço era justo; comprei-o. E nesse entrementes senti saudades daquela moça por quem eu sentia carinho e que, pra serenidade geral de nós dois, demonstrava, sempre, em nossos esparsos encontros, um carinho que doía ter tão pouco tempo pra se demonstrar. Então decidi que comprava aquele vaso de presente pra mim mesmo, e que ofereceria àquela moça o carinho que na prática eu viria a dar àquelas pequeninas e lindas plantinhas que haveriam de continuar a me fazer emocionado enquanto vivessem. Decidi que enquanto ela fizesse parte da minha vida, aquele vaso seria o pedaço simbólico dela que faria companhia ininterrupta aos pedaços simbólicos de mim que eram ora o quintal com suas já residentes outras plantas, ora minha cama e minha vitrola. O pedaço simbólico dela que faria companhia também a mim, quando eu lá estivesse na ausência física dela.
E da história toda – que nem essa era, mas sim do olho, que acabou ganhando um colírio na segunda-feira de manhã e me fazendo ficar sem álcool por uma semana –, da história toda ficou apenas um vaso, que vez ou outra eu levava pro quarto... e pra quem os meus discos demonstravam, em forma de notas musicais, o carinho que eu sentia por ela.


Algoz

2 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

...enquanto você escrevia estas cinco palavras e três pontos.

outubro 10, 2007 12:42 AM  
Anonymous Anônimo disse...

:)

J

outubro 10, 2007 9:59 AM  

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