Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, julho 17, 2007

Sem Lenço

Uma da tarde numa alameda em algum Jardim da cidade de São Paulo. Faz calor. Nas calçadas os mortais conversam suas amenidades enquanto trabalham e/ou observam a vida trafegando. Uma moça bonita come seu cachorro-quente numa barraca que é o porta-malas de um carro. Na porta de um certo restaurante, do outro lado da rua, sempre há espera. Mas ela não espera nada. Come com certa pressa pois tem apenas quinze minutos de “descanso” de seu turno de seis horas atendendo reclamações por telefone. Na verdade espera, sim. Espera um dia poder trabalhar oito horas e ter uma de almoço, pra poder comer naquele restaurante como aquelas moças que pelo menos uma vez por semana lá estão, queimando pelo menos dez minutos apenas esperando um lugar ao sol. Digo, uma mesa vagar. Devagar ela há de chegar lá. Enquanto isso vai comendo seu cachorro-quente de todo dia, evitando cair na tentação de sair com o chefe canalha – mas ele é tão charmoso! –, e juntando sua migalhinha mensal. Pelo menos está sexualmente desacompanhada: antes só.
Uma e cinco da tarde. Faz calor em São Paulo. Numa alameda, em algum Jardim, os mortais conversam suas amenidades enquanto trabalham e/ou apenas observam a mesmice das coisas cotidianas. Três moças bem vestidas aguardam na calçada, com certa impaciência, por uma mesa num certo restaurante. Uma delas, vendo do outro lado da rua uma moça muito bonita, pensa pra si mesma: “Meu reino pra ser bonita assim! E ainda come cachorro-quente quase todo dia, a filha da mãe!” Nisso, uma de suas colegas diz, com desdém: “Vocês viram a bota daquela fulana?! Credo, que mal gosto! Quando nasce pra ser pobre, não tem jeito.” A terceira concorda franzindo os olhos e o nariz. E a primeira, cheia de inveja e compaixão, segue pensando. E esperando por um marido rico que possa bancar todas as plásticas de que ela pensa precisar pra ficar bonita. A vaidade é tanta que mal sabe como já é bonita – tanto mais quanto menos se produz. E tem uma certa ingenuidade, não percebe o tamanho da inveja que causa nas outras duas, e não faz idéia de que a moça do outro lado da rua sonha em estar ali, na mesma calçada que ela, esperando por uma mesa naquele restaurante, apenas pra sentir-se alguém nessa vida idiota que os seguranças e os manobristas e os taxistas e quem mais ali é frequente comentam ao longo de todos os dias.
Uma e dez. Sol a pino num Jardim de São Paulo. Um bem-nascido vem pilotando sua máquina por uma alameda, observando o movimento das moças enquanto os mortais conversam suas invejosas vontades, como a de ser aquele bacana naquela moto. A vida pára enquanto ele passa, aquelas duas rodas se transformando em todo o assunto dos que têm ouvidos e olhos. Uma moça bonita acaba de atravessar a rua, na contramão dos veículos, e chama toda a atenção do ilustre – supostamente rico – desconhecido. Ao ponto de ele passar, quase quebrar o pescoço pra ver suas ancas, e não ver as três moças que com que ele sonham toda vez que passa. Mas a moça, que acaba de comer um cachorro-quente, só de ouvir aquele ronco baixa a cabeça: homem é tudo igual.
Uma e quinze em São Paulo. Um calor de fritar miolos. Numa alameda qualquer de um qualquer Jardim, altas máquinas motorizadas e mulheres bonitas trafegam suas invejosas invejáveis supostas condições financeiras. E mais uma vez a vida pára pro comentário geral de mortais e não-tão-mortais assim: um rapaz barbudo, de olhar vivaz e um cínico sorriso de canto de boca, em trajes pra lá de comuns, caminha, indiferente a tudo que possa ter acontecido ou que venha ainda a acontecer, tomando uma latinha de cerveja.


Algoz

2 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Assustador... agudo... provocante... muito foda.

Parabéns!

julho 18, 2007 7:03 PM  
Anonymous Anônimo disse...

é...é foda !!!!!

beijo,

Pri

julho 19, 2007 8:52 AM  

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