Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, junho 26, 2007

Vinho branco

Parei na frente da vitrine e pedi. Não. Bati o pé no chão. Não. Bati os dois pés. Não. Comecei a chorar. Filho, a mamãe só recebe amanhã, tá? ... amanhã a gente compra. Comecei a gritar. Resumo da ópera: eram tempos difíceis, ela assinou o cheque chorando. Nunca me esqueci. Saindo da loja, eu saltitante, ela limpando as lágrimas. Meus sorrisos foram ficando pelo caminho. Devo ter até dormido com aquele Castelo de Greyscow, pra tentar aproveitar ao máximo e, assim, tentar compensar a dor que eu tinha causado. Aprendi sobre vencimentos em duas cenas, e pedir presentes foi gradualmente sumindo da minha lista de coisas a fazer na vida capitalista. Anos mais tarde, era preciso me perguntar se eu não estava precisando de nada – e normalmente eu estava.
Coruja, coruja, coruja. Dizem que é mal do signo. Dizem que é mal do útero. Qualquer que seja a explicação, fato é: coruja, coruja, coruja. Chega a irritar, mas essa parte aqui não cabe.
Eu já era velho, fiz merda. Chegando em casa fui chorar em seu colo, ajoelhado, sob seu olhar de total reprovação. As palavras foram duras e sem piedade. Mas o colo estava lá. A angústia daquele dia poderia ter me cortado na cozinha. Mas o colo permitiu que essa hipótese não fosse testada.
Coruja, coruja, coruja.
Mais recentemente, era madrugada, e apesar de não esperarmos, esperávamos por uma notícia muito triste. Poderia vir a qualquer momento. Três da manhã, a pia cheia de louça. E se as duas últimas semanas tinham sido cansativas pra todos, foram, em todos os aspectos, mais cansativas pra ela. A louça na pia. Lavei. Deve ter sido pela hora do fato. Fui dormir. Duas horas depois a notícia chegou. E naquela tarde de encontros, contei o acontecido a um amigo. Ele disse: Esse negócio de lavar a louça pra mãe de madrugada, sabe o que é isso? Eu: O que? E ele: É amor.
Coruja, coruja, coruja.
E mais recentemente ainda, apareceu em visita a ex-namorada que, depois de tantos anos, continua sendo unanimidade nacional em casa. Recebida com aquele abraço e aquele brilho nos olhos. Eu já sabia o que viria... Ficou uma hora e pouco. Foi embora antes do peixe, que estava uma delícia. Acabada a janta, começou: Hum, ela perdeu esse peixe, hein? Como eu já sabia, respondi só com a cabeça. No dia seguinte a língua deve ter coçado demais: Ela tá namorando? Respondi: Sim. E mais uma vez eu já sabia... Ela emendou: Então suas chances acabaram? Eu: rá, rá, rá. E ela, com seus olhinhos apertados, sorrindo de mim. E é sempre assim.
Coruja, coruja, coruja.
E agora que já estamos todos velhos – eu, muito provavelmente, mais – arranca-rabo vira silêncio em duas palavras. E o resto é um grande abraço, tímido, silencioso, e poucas vezes físico. Mas é um abraço. Cheio de asas.
Coruja, coruja, coruja.


Algoz

2 Comments:

Blogger Malvinas disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

junho 26, 2007 11:34 PM  
Blogger Malvinas disse...

bom te ler e bom te ver.
beijos,
Malvina

junho 26, 2007 11:36 PM  

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