Confraternização

(Na geladeira)

quinta-feira, novembro 29, 2007

Mulheres*

"Há quanto tempo!" E mais uma vez, cruzando um dos inúmeros corredores dos inúmeros prédios habitualmente frequentados, lá estava ele, um velho amigo: presente aparentemente fortuito, gratificação dada pelo Acaso ao encontro de incontáveis pequenos e distantes fazeres que levaram a essa feliz co-incidência entre dois mundos diversos interligados entre si.
Papo vem, papo vai, enquanto procurávamos saber notícias um do outro, até que, obviamente, surge o assunto primordial e inevitável, o qual concluiu aforismando meu amigo: "Mulher só traz sofrimento". Raro ou tolo é o homem capaz de refutar um argumento tão poderoso e que dispensa maiores demonstrações: cada um de nós, que concordou convictamente com seu varonato, em algum ou vários momentos - há aqueles que padecem a vida inteira -, já sofreram de amores por uma moça.
Em verdade, essa qualidade inerente, de causa de sofrimentos, atribuida às mulheres pouco mudou desde Pandora e Eva: fonte dos males, das doenças e pecados, cobras, sereias, insensíveis, cruéis e mais uma longuíssima lista que demonstra todo o temor do homem diante desse ser magnífico, capaz de despertar em nós o que há de mais intenso, seja isso bom ou ruim.
No entanto, nem é preciso uma atenção muito grande para cuidar que essas mesmas qualidades podem ser perfeitamente atribuídas a qualquer um, homem ou mulher, independente do gênero: que se oponha a isto quem não tiver no seu convívio um homem histérico, sentimental, vaidoso; e do outro lado, uma mulher grosseira, forte, que ame futebol e encare o sexo como uma necessidade biológica. Ou esse é um sinal do fim dos tempos, ou não é mais possível que, por preguiça, vaidade, machismo, ou qualquer outro atrofiamento das idéias, acreditar piamente que existam qualidades morais ou naturais que distinguem seguramente os homens das mulheres, sendo que a principal característica destas seria a responsabilidade pelo sofrimento e desamor daqueles. E nesse ponto, pensar a responsabilidade de cada um sobre seus próprios sentimentos e sofrimentos ajuda a levar a questão para ainda mais além do gênero. Pois é à nossa admiração e encanto por essas mulheres que agregamos um dos sentimentos mais terríveis, contido e banalizado em todos, que é o sentimento de posse. Precisamos, prejudicialmente, possuir aquele encanto supremo, que muitas vezes dá sentido à própria vida, na esperança de preservar eternamente a enorme felicidade do encontro com esse ser que nos parece esplêndido. Assim agimos com tudo o que nos comove íntima e sublimimente; assim desejamos aprisionar a liberdade do vôo dos pássaros em gaiolas; assim desejamos conservar a beleza das flores em vasos, mesmo sabendo que logo morrerão: um erro. Portanto, é à nossa vaidade e egoísmo que, juntamente com todas as nossas outras disposições ao próprio sofrimento, devemos responsabilizar, e não às mulheres, ou aos homens, afinal, somos todos igualmente humanos e as qualidades e valores não são fixos e inerentes podendo ser aplicados a ambos os sexos.
Esse, contudo, não é o aparendizado mais difícil que se apresenta ao delicioso desvenadar do feminino, pois não admitir que nele há algo de mágico, uma característica única e fascinante da mulher, seria mais uma prova de equívoco e ingenuidade. Mas, infelizmente, para o conhecimento desse mistério, nem mesmo a mais elevada poesia foi capaz de encontrar uma definição que desse conta de tamanha exuberância. Aos sábios, que souberam reconhecer nessa indefinição de atração irresistível a própria manifestação da vida, em toda sua natural razão, volúpia, beleza e intensidade, é concedido um instante de contemplação e deleite do que há de mais significativo em sua existência.

Bruno*