Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, setembro 25, 2007

Santos

Fazia dez anos que eu não ia a Florianópolis. Uma vez mais era carnaval. Eu, pra variar, fui o último a perceber. Quase me surpreendia: essa mulher tinha lentamente entrado na minha vida: eu não fazendo parte da dela. Essa mulher chegou ao ponto de me fazer todo sim, nas pouquíssimas vezes em que se permitiu entregar-se a mim. Ela estava de namorado antigo. E ele iria trabalhar. Então ele em mim confiava – desconfiadíssimo. Então – e para todo o sempre – eu não dava a ele motivos pra desconfianças, e nem a ele desrespeitava – e assim me mantenho, serenamente – por tê-la deixado entrar na minha daquele jeito: sentimentos não controlamos – ao menos até certo ponto. Então ela iria pra casa de uma amiga em comum. Então ele deu a ela carta branca – como precisasse algum ser humano da permissão de qualquer outro, pra qualquer coisa – pra que dormisse lá, por conveniência. Então fiquei feliz, porque eu mesmo não precisava de permissão qualquer pra em qualquer travesseiro repousar, e aquela mulher era o único ser em quem eu deseja pousar naquela era. Ainda me lembro: foi nessa noite que aprendi: nada há que, feito com a máxima entrega possível – independentemente de resultar o melhor possível ou não –, supere um mal-entendido, quando o mal-entendido foi doentiomente criado e atropeladamente resolvido pela força e pela aceitação da tal força: o telefone tocou. E vi, uma vez mais, que era mau. Era mau estarmos ali: eu honestamente todo ela, ela metademente o próprio tradicionalíssimo relacionamento. Talvez seja parvo de minha parte, mas ainda não entendi na vida essas demonstrações de qualquer coisa via impropérios e vozerias. Tão triste: mal eram oito da manhã. Triste mesmo: descansávamos, juntos, nossos corpos. Tristíssimo: era a delícia de se compartilhar em sossego o intimíssimo momento do sono. Mas a vozeria é sempre maior. Resultado: foi-se embora. E os motivos que tinha pra se chatear comigo vieram a de fato se mostrar tão tolos, mas tão tolos. E o dia de carinho que começaria foi assassinado, às oito da manhã, pelo amor, que vinha, feroz, pelos cabos onde – acima de qualquer coisa ou pessoa ou outro lugar – se criou, se fez forte e se sustenta: irrevogavelmente.
O tempo passou, e todos nós contribuímos, cada qual com suas quantidades e qualidades de praticidade, pro desfecho – dolorosamente silenciado a travesseiro – do gostoso gosto de tudo aquilo que virou um pesado nada.
Qualquer grande tristeza de qualquer insignificante vida, assim como os genocídios, são inenarráveis. Não houve amigo, álcool ou briga de casais que me consolasse do que mais tarde sucedeu: a lua comprovou – uma vez mais – ser apenas um astro. E tudo, em última instância, fazia dó.
Quatro anos antes, quando certa feita fui demitido de uma grande empresa, mal sabia quão simples viria a ser uma demissão perto de um desamor: meu ex-chefe não gostava de mim, e eu gostava menos ainda dele. E foi de um dia pro outro. E a grande tristeza de tudo foi: eu estava em Florianópolis. O desamor foi muito mais petrificante: se fazendo aos poucos, escondendo seus olhares aos poucos, contraindo seus sorrisos aos poucos, guardando seus beijos aos poucos, pra se escusar aos poucos de tudo aquilo que em mim tinha construído. Parece que conseguiu – ao menos a si mesmo – se escusar. Cada louco com sua mania, cada maníaco com sua crença. Eu havia, novamente – mas dessa inenarravelmente – sido o escolhido. Demorei a me encolher, mas com meu habitual esquisito humor, fui aos poucos... um dia todos chegamos lá.
E só há uma lição disso tudo: algumas praias de Florianópolis são maravilhosas. Mas ainda há belíssimas praias, em outras ilhas também – menos vorazmente frequentadas e, por tal, mais sensíveis às poluições e delas críticas – onde se possa mergulhar em harmonia sem ser tragado e afogado e desovado, como sempre pode acontecer numa praia de rebentação, que se escusa do que faz, por ser sua natureza – quando não a forma como se moldou, ao longo do tempo.
Acabou que todos, sem exceção, foram demitidos.
Todos.


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Hmmnnn.... Acho que eu entendi uma coisa: a gente sabe se a natureza do mar é de se afogar ou é de se banhar, aí a gente escolhe em qual mergulha... Entendi.

setembro 26, 2007 1:41 PM  

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