Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, setembro 18, 2007

Florianópolis

Fazia seis anos que eu não ia a Florianópolis. Uma vez mais era carnaval. Eu, pra variar, fui o último convidado. Não me incomodava: esse amigo que me chamou sabia que eu funcionava desse jeito: sendo chamado na última hora. Esse amigo nunca ouviu de mim um não, nas não poucas vezes em que me convidou pra viajar. Ele estava de namorada nova. Então ela chamou um casal de amigos. E então ele chamou um casal amigo dele, pra compensar os amigos eternamente solteiros – eu incluso – que uma vez mais – eu depois de quatro anos – o acompanhariam na folia – que já então não era tanta folia assim: por ele estar casadinho; e por nós, os solteiros, já não sermos mais tão moleques: o maior terror que tocávamos eram dois violões – não eu – e muita gelatina de vodka a partir das vinte e duas horas. Ainda me lembro: foi nessa viagem que aprendi: vodka, quando consumida nas horas e doses certas, e com alguma atividade das glândulas sudoríparas, espanta insetos que picam em geral. E vimos, uma vez mais, que era bom. Era bom estar ali: todos nós – à exceção de um dos casais, que, tendo seus dois oponentes nascido bem, passava um terço de seus dias cuidando de seus corpos –, todos nós éramos muito dignos: trabalhávamos feito escravos na selva de pedra: nos sentíamos merecedores de estar ali, e ali nos amolecia os ímpetos; e a vontade de voltar, ao menos naquele momento inicial de forte contraste, era zero. Que não soe a pré conceito: o casal que primava pela beleza passou o feriado inteiro brigando: em suas corridas de quarenta quilômetros pela ilha; em nossos almoços descontraídos; em nosso sol, em nossa lua; no preparo de nossa gelatina, no posto de gasolina; na hora de dormir e na hora de acordar. Talvez seja parvo de minha parte, mas ainda não entendi na vida essas demonstrações de afeto via impropérios e vozerias e (quase) físicas agressões. Mas, eu que tenha paciência! Um dia eu chego lá...
Chegou o último dia. Estávamos em três carros. Eu resumo: sobramos eu e Dedê no carro do bom-cristão casal. Saíram cedo pra corridinha de quarenta quilômetros habitual. Não voltavam. O casal de amigos da namorada levou um casal que lá em Floripa se formou. Não voltavam. Meu amigo e sua namorada levaram um solteiro médico amigo, que precisava se apresentar na quarta às dez da noite. Não voltavam. Eu e Dedê sentados na calçada, sem violão, sem vodka, sem uma mulher que nos fosse de colírio, e os malditos não voltavam. Mal entramos de volta no continente, já o sol se despedia de nós, deixando pra Lua o observar – se ela observasse qualquer desamor – de nosso desalento em estar ali, dentro do carro de pessoas de comportamentos indignos, atrasadíssimos e prontos pra toda sorte de estresse advindo da lentidão que certamente pegaríamos por conta das inúteis discussões daquele infeliz casal que chegava, em última instância, a fazer dó.
Chegamos em São Paulo às sete da tardia manhã, não sem antes termos quase morrido por mais de uma vez, fruto podre da macheza de nosso piloto, que não deixava outro encostar a mão no volante de seu possante um ponto zero rebaixado filmado e cromado: dormia dirigindo como quem dorme assistindo televisão. Mas não perdia sua macheza – aparentemente só a entregaria, e pessoalmente, a Lúcifer. Mas era um bom horário pra se entrar na cidade má: foram apenas duas horas até a casa onde então eu morava. Naquela época eu entrava no trabalho às oito e meia: cheguei às dez e meia. Era quinta-feira de cinzas. Às onze meu chefe me chamou. Era um sujeito tolo, tolo. Mas de uma tolice, eu juro... Em sua sala, e na presença das duas boníssimas pessoas que profissionalmente ficavam entre eu e ele, o mosca-morta disse:
– Você sabe, a empresa está sofrendo uma reestruturação. Então a diretoria determinou que nós cortássemos uma supervisora e dois vendedores. Você foi um dos escolhidos.
Fiquei incrédulo: havia pelo menos cinco funcionários que mereciam aquela promoção muito mais do que eu, e pelo menos mais cinco – somados aos outros cinco – que a queriam. Olhei minhas duas supervisoras, uma delas sorria – a que deixava a empresa comigo! – com seu habitual esquisito humor.
E só há uma lição disso tudo: eu devia ter ficado em Florianópolis até o final de semana. Até porque é possível que a demissão me chegasse por fofoca – talvez oficial – e eu realmente me deixasse ficar por lá ainda mais: e muito provavelmente não seria eu quem sou.


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Rarara. É isso! É isso mesmo. Você desvendou o segredo da vida.

setembro 19, 2007 12:48 PM  

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