Confraternização

(Na geladeira)

terça-feira, julho 31, 2007

Tempos...

No meu tempo de criança já o mundo era horrível. Uma violência absurda. Uma promiscuidade assustadora. Eu mesmo não tinha dez anos quando troquei meu primeiro soco: voltamos a conversar no dia seguinte, como se nada tivesse acontecido. E tampouco tinha dez anos pra beijar na boca – que horror! –, mas aconteceu: nada demais. Não criei ódio eterno ao coleguinha de briga, que era meu xará; não tive dor de barriga quando me encontrei com a Cintia – esse era o nome dela – pela primeira vez depois do beijo. Mas o mundo, na cabeça dos adultos, era certamente uma atrocidade eterna, mil vezes piorada do tempo deles pra então. Talvez eles tivessem razão. A razão deles. Que importa? Tenho a imagem da minha mãe de maiô na praia, cabelo do tempo, turma grande – excursão. Meu pai jogando bola vinte e quatro horas por dia. Não vi muita diferença do que eles fizeram pro que nós – eu e meus infelizes contemporâneos – fizemos. Só as turmas, que eram um tanto menores, e os maiôs, que – idem – viraram biquínis. Horrível mesmo é virar adulto. E ver conhecidos indo embora em acidentes causados por rachas – alguns nunca tinham brigado na vida. E sentir o estômago doendo, depois de homem feito, antes de encontrar a mulher com quem se escolheu dividir, inclusive, as dores de estômago. Mas quando se tem apenas as dores de estômago, e depois de uma noite não dormida – apesar das sete horas em que o corpo ficou, lastimavelmente, no colchão jogado no chão –, não é de todo mau lembrar de uma imagem perdida num passado muito, muito distante. A imagem de Cintia, com suas sobrancelhas clarinhas, quase brancas, beijando inocentemente a minha boca, às escondidas de nossos pais. E essa imagem faz, ainda que por um mísero instante, uma saudade que não dói. Cintia, Cintia...


Algoz

1 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Booooo!

agosto 01, 2007 7:10 PM  

Postar um comentário

<< Home